domingo, 29 de janeiro de 2012

Magia do Silêncio



Magia do silêncio


‎Os dias são tão corridos,
Horas que voam
Nas asas do tempo,
Meus olhos focam
Um horizonte cinzento,
E meus pensamentos
Guardam recordações,
Em suas cores de poucas luzes
E cada verso que escorre
Como lágrimas desenhadas,
Em tantos passos que eu sigo,
Cada pedaço que ainda vive em mim,
Os gritos do silêncio
Que se propagam pelo ar
Entre os dias e suas horas.
Procuro em meus sonhos
As chaves de todas as portas,
Respostas para as perguntas
Em tantas páginas rabiscadas;
Perguntas que ficaram mudas,
A música das palavras,
Vontades que evaporam
E se criam novamente
Em espasmos delirantes;
Segredos do labirinto transparente
Corredores entrelaçados...
Desvendar os sentidos
Em suas vozes quase caladas
Em gemidos,
Em sussurros;
Abrir outra janela
Que mostre o outro lado,
Suas luzes tão discretas,
Cada vulto que se veste
Com as cores esperadas...
Sentir o gosto suave do presente
Em seus diversos paladares,
O banquete servido na mesa
E suas xícaras de vontades
E quase tudo o que se sente
E tantos pensamentos que se perdem...
Quero por mais uma vez sentir
O cheiro dos primeiros dias
Quando os ventos sopravam novidades,
Modelar o tempo
Em obra de arte
E plantar um futuro
Em novas linhas...
No virar de cada página
Um novo capítulo,
Na curva de cada corredor
Um novo sentimento,
Amanhecem os sentidos
E brilha o sol do desejo,
E diante do espelho meu rosto espera.
Passos em direção ao silêncio
E sua magia de verdades,
Passos em direção ao por do sol,
Onde reside o jardineiro das ideias ocultas,
O guardião dos segredos do amor,
Pacificador das dores da alma.
Rápido como a chuva de verão
É cada momento profundo,
Profundo como o mar cada beijo,
E por traz de cada olhar:
O silêncio
Sussurrando sua magia e mistério.


W. R. C.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Mergulho Profundo



Mergulho profundo



Quero mergulhar
Profundamente,
Palpar cada desejo
Em seus rostos variados;
Mas as águas ainda estão rasas,
Gota a gota caem devagar,
Caem sem parar,
Que não evapore
Sob o sol mortífero da dúvida
Pelos dias que virão adiante,
Que não escorra
Pelo ralo pútrido da incerteza...

Quero mergulhar
Profundamente,
No intimo do ser, e lá estar,
Passo a passo
Em direção ao desconhecido,
Ouvindo a melodia da vida
Em seus sons preciosos;
Que não encontre
Um abismo enegrecido,
Que não despenque
E caia no chão frio e duro
De inquietações
Que surgem diariamente...

Quero mergulhar
Profundamente,
No mar sem fim
De sentidos novos,
Azul imenso de cada procura,
De cada descoberta,
E onda por onda,
Seguir em frente,
Que as pedras e corais
Não dilacerem minha carne,
Que os tubarões famintos
Chamado acaso
Não devorem minh'alma...

Quero mergulhar
Profundamente,
No buraco negro
Que se chama vontade,
Estático no espaço sideral
De sensações novas,
Que eu não fique sem ar e pereça,
Que meu corpo
Não entre em combustão
E desapareça...

Quero mergulhar
Profundamente,
Mais uma vez
No fundo de seus olhos,
Lágrima por lágrima,
Brilho por brilho,
Que eu não enlouqueça
Por querer tanto,
Que eu não me perca
Nas sombras que surgem
Entre cada curva que se passa...

Quero mergulhar
Profundamente,
Nas areias do tempo,
Grão por grão,
Parar o tempo em poesia,
Eternizar cada verbo,
Descobrir todos os sentidos
De cada sentimento verbalizado,
Que o vento não despedace
Essa flor que cresce;
Que as palavras fiquem guardadas
Em nossos corações,
Que nossos olhos voltem
A brilhar como antes...


W. R. C.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Edgar Allan Poe



Edgar Allan Poe
Estados Unidos: 1809 // 1849
Poeta

A Génese de um Poema

A maior parte dos escritores, sobretudo os poetas, preferem deixar supor que compõem numa espécie de esplêndido frenesim, de extática intuição; literalmente, gelar-se-iam de terror à ideia de permitir ao público que desse uma espreitadela por detrás da cena para ver os laboriosos e incertos partos do pensamento, os verdadeiros planos compreendidos só no último minuto, os inúmeros balbucios de ideias que não alcançaram a maturidade da plena luz, as imaginações plenamente amadurecidas e, no entanto, rejeitadas pelo desespero de as levar a cabo, as opções e as rejeições longamente ponderadas, as tão difíceis emendas e acrescentas, numa palavra, as rodas e as empenas, as máquinas para mudança de cenário, as escadas e os alçapões, o vermelhão e os postiços que em 99% dos casos constituem os acessórios do histrião literário.
(...) No que a mim diz respeito, não compartilho da repugnância de que falei e nunca senti a mínima dificuldade em rememorar a marcha progressiva de todas as minhas obras. Escolho O Corvo por ser a mais conhecida. Proponho-me demonstrar claramente que nenhum pormenor da sua composição se pode explicar pelo acaso ou pela intuição, que a obra se desenvolveu, a par e passo, até à sua conclusão com a precisão e o rigor lógico de um problema matemático.
(...) Sendo assim determinados a extensão, o domínio e o tom, socorri-me da indução ordinária, a fim de encontrar alguma invenção artística inédita que me pudesse servir de chave para construir o poema, de eixo sobre o qual giraria toda a máquina. Ao examinar cuidadosamente todos os efeitos artísticos ordinários, ou, mais exactamente, toda a carpintaria no sentido teatral da palavra, não deixei de verificar imediatamente que nenhum tinha tido emprego tão universal como o refrão. A universalidade da sua utilização bastava para garantir-me o seu valor intrínseco e poupava-me à necessidade de submetê-lo à análise. Todavia, examinei-o pensando que poderia ser melhorado e depressa me apercebi de que ele não ultrapassara a sua fase primitiva. Tal como comummente é empregado, o refrão não somente se limita ao poema lírico, mas também só procura o seu efeito no poder da monotonia, tanto pelo som como pelo pensamento. O prazer tem como única origem a sensação de identidade, de repetição. Resolvi variar, e, portanto, aumentar o efeito, conservando em geral a monotonia do seu todo, repetindo, de cada vez, a do pensamento: isto é, decidi produzir efeitos constantemente renovados fazendo variar as aplicações do refrão, permanecendo o refrão, no seu conjunto, tal e qual.
(...) Estando assim determinado o som do refrão, era necessário escolher uma palavra que contivesse tal som e ao mesmo tempo se ligasse tanto quanto possível com essa melancolia que decidira havia de dar a sua tonalidade ao poema. Em tal ordem de pesquisas teria sido absolutamente impossível omitir a palavra nevermore, «nunca mais». E, na verdade, foi a primeira que me ocorreu.
O desideratum seguinte consistiu em: sob que pretexto ligar continuamente esta única palavra nevermore? Ao notar a dificuldade que desde começo experimentava em inventar uma razão suficientemente plausível para tal perpétua repetição, não deixei de me aperceber de que essa dificuldade provinha unicamente da ideia preconcebida de que tal palavra devia ser pronunciada de modo contínuo e monótono por um ser humano; em breve não deixei de me aperceber de que a dificuldade consistia em conciliar essa monotonia com o exercício da razão na criatura que repetisse a palavra. Então, de súbito, tive a ideia de uma criatura incapaz de raciocinar, embora capaz de falar; e, muito naturalmente, ocorreu-me em primeiro lugar a ideia de um papagaio, logo substituída pela de um corvo, ave igualmente dotada de palavra e infinitamente mais de acordo com o tom procurado.
Tinha, pois, chegado à concepção de um corvo, ave de mau agoiro, que repete invariavelmente apenas a palavra nevermore como conclusão de cada estância, num poema de um tom melancólico e com a extensão de cem versos. Então, sem nunca perder de vista este fim, superlativo ou de perfeição em todos os pontos, perguntei-me: «De todos os temas melancólicos, qual, no consenso universal dos homens, é o mais melancólico?» Resposta evidente: «A Morte.» «E quando é que esse tema mais melancólico é o mais poético?» Ainda aqui a resposta decorre com evidência do que já expliquei longamente: «Quando se alia o mais estreitamente com a Beleza: a morte de uma linda mulher é, pois, indiscutivelmente o tema mais poético do mundo…»
A verdade é que a originalidade, excepto nos espíritos de raríssima capacidade, de modo nenhum é, como alguns supõem, assunto de instinto ou de intuição. Em geral, para encontrá-la, é preciso procurá-la laboriosamente, e, embora constitua um mérito positivo da ordem mais elevada, conquistá-la exige menos invenção do que negação.

Edgar Poe, in ' A Filosofia da Composição '


O CORVO *


Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."

Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".

Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais

Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,

Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... nunca mais!

Edgar Allan Poe

domingo, 22 de janeiro de 2012

Essa Voz



Essa voz

Hoje eu quero soltar o verbo
Em todas suas cores opacas,
Deixar escorrer a angustia
Em palavras picadas.

Hoje eu quero pensar o meu ser
Em torrentes esporádicas
De cada sentido que se queima
E ferve em minhas entranhas.

Hoje eu quero pensar,
Jogar xadrez, ouvir música alta,
Lembrar do que não mais existe
E ser um alguém que só existe em meus sonhos.

Essa voz que a maioria não escuta
Ecoará calada no firmamento,
Virará poeira no horizonte...

Essa voz que se faz loucura
Rasgará o véu da indiferença
Manterá a procura e nunca se calará...

Essa voz que pintas suas verdades
Em quadros cinzentos de tantos queres
É ela que plana nos sonhos em forma de aves...

Essa voz que se fala em desejos,
Cantando todos seus versos,
São beijos de fogo em forma de letras,

São vozes ardentes em tantos sentidos;
Essa voz que vos fala,
É a voz calada, cheia de som do poeta.

Essa voz que segue os ventos
E se faz perdida entre os homens de hoje
Despirá suas vestes negras

E voará para muito longe
Onde os ouvidos que a querem ouvir a ouçam
E as bocas que não a acompanhar se calem...

W. R. C.

sábado, 21 de janeiro de 2012

O dia e suas vozes



O Dia e suas Vozes


Eu lhe dou as boas vindas
Neste dia de reflexões
Minha chama faminta,
Venha me iluminar nesta hora
Onde me afogo
Em pensamentos e delírios,
Cada um de meus anseios,
Tentando reconstruir
O que desmoronou da ultima ação
Após meus passos apressados!
Agora os olhos podem ver
O horizonte e suas luzes
Entre as vozes e suas promessas
E as sementes que foram a terra;
Agora o canto subiu
Em direção ao próximo parágrafo
E as linhas que esperam...

Comece a bater agora você,
Meu coração,
Em seu palpitar
Desconexo e sombrio,
Bombeie os sentimentos
Que não morreram
Em direção ao inicio,
Em direção aos mananciais
Que ficarão gravadas n'alma,
Entre os ventos e as memórias!
Caia sonhando
Dentro deste poço de vida,
Cada fagulha de existência
E cada suspiro de paixão,
Por toda a volta
Estes sussurros intermináveis,
Estão aí para me manter
Seguro e aquecido,
Com o fogo fátuo do amor
E o que não se pode esquecer;
Guardado no intimo d'alma,
Enterrado em eterno zunido,
Onde o som melancólico
De canções esquecidas ecoam
E eu danço, rodopiando,
Na roda de fogo...

Meu mundo é água,
É fogo, é ar, é terra,
Elementos naturais,
Sonhos reais,
Eles existe para me aquecer,
Congelar-me, expandir,
Entorpecer o presente
Quando este se torna opaco
Dentro da escuridão de pensamentos,
Minha eterna paixão,
Todos os tormentos,
E ecos no alem...
Ninguém pode me fazer mal,
A não ser eu mesmo,
Sonhando sonhos impossíveis,
Possibilitando realidades plausíveis,
Correndo por ruas intermináveis
Com estes espasmos do mundo
E seus soluços variados,
Estremecendo em vontades
Comprimido dentro de tudo.


Uma mente em expansão,
Sentimentos em vivas cores,
Um turbilhão de sensações sem fim
Entre mim e você
E o jardim lá fora;
Eu tomo fôlego
Para começar a gritar:
_Fagulha de existência,
Pedaço de sanidade,
Vozes que ecoam,
Sonhos transparentes,
Começo de um novo ciclo
Que se inicia;
Toques profundos
No fundo da alma,
Tão profundamente
Dentro de um ruído perpétuo,
Entre os dias e suas vozes.

W. R. C.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Linhas manchadas, linhas diversas



Linhas manchadas
Linhas diversas


Tarde cinzenta poeira no horizonte, cada pensamento tem sua estação, ventos que sopram procuras, vontades que são aguardadas entre o verão e o inverno em gavetas esquecidas; pensamentos que vagam perdidos no ontem sem se encontrar no hoje, venenos sorvidos antes do anoitecer em cada gole de vida e os tragos esfumaçados de saudade; procurando o amanhã, se afogando no agora. Música que toca alto, vontade que pulsa forte, tédio, vinho...
Poesia no papel, escrituras que saem d'alma, sentidos rabiscados no tempo que nos divide, horas que escorrem pelo ralo das lembranças, lágrimas que secam, verdades que se ocultam dos olhos. Vendo a chuva cair, nos dias quando ela cai, esperando a página se virar, nas folhas como elas são, como as flores ainda espera o jardim despertar, mostrando onde suas cores se encaixam, falando suas linhas em tons múltiplos, boca sedenta desejando o último beijo.
Entardecer nebuloso, convite tentador, folhas mortas no chão descrevem emoções e sentimentos, tudo que brota do intimo discreto de cada ser; coração apertado, melancolia, sonhos sem cores, sonhos diversos, sonhos de neon; verdades faladas em vozes profundas em sentidos suaves, melodia cinzenta que guarda o firmamento.
O palhaço não sabe onde perdeu seu sorriso, se foi entre o ultimo espetáculo da vida no malabarismo de emoções constantes ou os passos apressados na corda bamba; anjos de asas queimadas choram no escuro, demônios de vozes caladas declamam seus amores, moedas de lados vazios se espalham pelo chão em um jogo com a sorte, cara e coroa de cada sensação, verdade ou conseqüência com toda a emoção...
Cicatriz profunda, abismo de vontades, entre o tempo e suas vozes, cada sentido que cai no papel rabiscando quereres disfarçados, sentimento raso enchendo a caneca das emoções; abismos que nos separam, eterna paixão...
Espinhos que crescem em volta do leito quando adormecemos sem querer diante de tantos rostos que passam por nossas vidas, que vão embora e não dizem adeus; rosas brancas manchadas de vermelho com o sangue que vai pingando desses amores que se vão e outros que vão se reconstruindo na falta do que faz tanta falta. Lençóis amarrotados, corpo suado, solidão... O caminhar por ruas silenciosas, esquinas e becos... Rostos... Olhares... Procura...
Janela que se fecha, boca que se abre; palavras sussurradas ao vento levadas aos recantos esquecidos sem direção, sem destino, sem saber se vai ou se fica...
Inacabada construção, intermináveis pensamentos, paredes que desabam e virão pó, moradias que se erguem buscando novidades, o que vai se despedindo do presente se tornando passado se fazendo ausente mas ainda pulsante; pedra que rola morro abaixo do alto de todas a emoções que foram vividas, muitas já acabadas mas não esquecidas, apenas guardadas. Edifício vazio, moradia abandonada, amante sem teto, outro grito que se perderá mais tarde na madrugada, outras vozes que ecoam distantes.
O sol irá se despedir novamente com todas suas melodias, grita ao céu em estrondo silencioso cada um de seus temores, esperando a chuva que não veio neste dia, que virá talvez; quente é a lágrima que escorre pelos olhos, substituindo gotas de chuva, de vinho e sangue, de paixões; pingando em cima da mesa, borrando, manchando as linhas no papel...
As palavras que tentamos dizer, muitas se perdem em nosso tempo, evaporam e somem em meio à multidão, levadas por dias agitados e rostos distraídos; perdem seu som lentamente e suas cores vão desbotando quando não podem sentir sua essência. Cada dia que passa é uma nova página que vira; outro sonho que tenta se escrever é sua voz querendo se propagar, buscando alguém para ouvi-la...

W. R. C.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ana Luísa Amaral

Ana Luisa Amaral
Portugal: n.1956 Poetisa

Um Céu e Nada Mais

Um céu e nada mais — que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul — como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
neram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais — que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. Um céu e nada mais.

Ana Luísa Amaral, in “Às Vezes o Paraíso”

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Amon



Amon

O gato preto observa os que o observam,
Em seus olhos a chama dos mistérios ocultos
O fogo fatuo de segredos distintos,
Observando mandibulas e seus dizeres,
Absorvendo olhares e seus venenos.

O gato preto em seu traje sombrio
Parado a dizer o que não se pode ouvir,
Ouvindo dizeres dos que falam sem pensar;
Sabe onde pisa e o que pode encontrar em seu caminho,
Caminha despreoculpado, sem culpa, sem medo.

O gato preto em silêncio profundo
Aprofunda seus quereres e seus instintos,
Sabe o que ninguem sabe e sente o que ninguém sente;
Onde o vento fez sua curva e sentidos se criam,
O gato preto observa os que o observam...

O gato preto se deita agora
Em constelações de nebulosas brilhantes
Que brilham como seu olhos amarelados,
Uma chama arde ao seu redor
E olhares diversos o observam.

O gato preto espera pela canção
Quando os vapores subirem aos céus
E chegarem aos espaço sideral,
Quando os ventos soprarem vontades
E escreverem verdades distintas.

O gato preto sabe o que está por vir,
Suas cartas sairam do baralho,
Seus instintos trazem revelaçõs
Do outro lado da nebulosa cinzenta,
Entre os dias e seus risos e suas portas semi abertas.

A gato preto fala do amanhecer,
De novidades que apontam no horizonte
Após a chuva se findar e lavar a terra;
Agora falta pouco tempo,
O gato preto observa os que o observam...

W. R. C.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Perguntas Inquietantes III



Perguntas Inquietantes III

Entre às vozes e o vento
Esses sentimentos de plástico
Que habitam em vocês,
Qual a verdade
Que posou em suas janelas
E lhe disse o que é certo?
A bola de cristal a órbita craniana
Poderia ser o refugio
De tantas incertezas
Perdidas entre suas buscas desesperadas
E cada uma de suas vaidades?

Você consegue ouvir
Os sussurros da verdade
Falando baixinho
O que quer vivenciar;
Essa música que toca nos ouvidos
Dos que ainda sonham?
Poderia tentar mais uma vez
De olhos vendados
Recriar os castelos de areia
Que desmoronaram
Com os ventos de tantas procuras?
Teria certeza de seus reflexos no amanhã
Diante do espelho escuro da dúvida;
Entre as palavras que são despejadas
E o que realmente vale a pena acreditar?

Teríamos asas se nossas atitudes
Fossem realmente concretas
Em vez de ficarem em quadros de palavras
E suas indiretas?
E essa balbúrdia em um manto rubro
Calaria as bocas sem respostas
E cada coração ainda tão faminto
Em meio a esse labirinto
De paredes transparentes?

O que podemos fazer em meio
As brasas do tempo quando se quer
Agarrá-lo e desmembrar suas linhas?
Por que as vestes celestiais
Tornam-se cinzentas em meio
Verdades distantes e vontades guardas
Escondendo o sol e seus segredos?

O livro de cada vida pode ser escrito
Com letras e símbolos de nossos quereres,
Entre os dias e suas máscaras,
Quando a vela que ilumina nossos passos
Está quase no fim e não saberemos
Como caminhar no labirinto?

Seus gritos abafados
De desejos e sentidos
Rabiscarão páginas diversas,
Linhas variadas
Em enciclopédias de existência
Onde seus lamentos e seus regozijos
Ecoaram em busca de respostas?

W. R. C.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Torre de Pedra



Torre de Pedra

Observando o horizonte distante e o bailar de nuvens diversas até onde eu pude enxergar; cada luz que ia fugindo perdida entre às horas e suas vozes e tudo àquilo que não pude segurar, que escorreu por meus dedos e desapareceu no chão. Vindo sorrateiros os ventos que cresciam e iam se juntando aos pensamentos que sopravam meus desejos em direções diversas; vinham das árvores, de suas folhas escritas em verso ou prosa, com pontos e vírgulas e todas suas vozes, e estavam lhe chamando; as cortinas sopraram na torre de concreto onde um rosto pálido ainda espera quem está do lado de fora, como melodia de sonhos cinzentos as notas musicais de cada sentido que se propagam e sobem em direção ao luar.
Dobrando as arvores que dormiam tranqüilas no alto destes sonhos
de duas cores, preto e branco; tentando abrir o céu que se fechou por um instante e ocultou o grito que se tornava verbo.
Pássaros voaram para fugir da tempestade descontrolada dos sentimentos; o firmamento grita em estrondo tempestuoso cada uma de suas vontades, de seus mais íntimos anseios, um lacrimoso pranto que cai de nuvens distorcidas escorrendo a ladeira do acaso e a tempestade desce feroz...
Eu segui a sorte ao redor de cada um desses meus dias que evaporaram e os que meus pensamentos me diziam em sussurros variados, com vozes de sopros do passado que ecoaram silenciosos no presente, procurando em vão através da névoa escurecida deste sonho, cada uma daquelas noites que se foram e aquele rosto que a muito não via; foi quando pude perceber que minhas mãos estavam vazias e meu peito ainda cheio de tudo aquilo que nunca me deixou e o que ainda tanto procuro entre os dias e suas faces. Eu só encontrei chuva.
Refletia a chama de meus olhos no espelho embaçado de cada lembrança, entre os passos novos de cada dia, uma fagulha ainda sussurrante de tudo aquilo; será guardada em gavetas de lembranças, em caixas de saudade e eu seguirei adiante.
Eu me deitei e sonhei, e pude ver novamente o livro aberto com páginas em branco, pronto a se escreverem; como se ainda existisse aqui, as chaves em minhas mãos, cada segundo se despejando, algumas horas se recriando outra vez, a possibilidade de um novo plantio, devaneios embaçados se desprendendo da mente que se expande, aves noturnas voando e falando seus cantos, dizendo o que está por vir, a torre de pedra fica pequena para tantos pensamentos.
Todo o tempo esperando respostas das perguntas que fazemos para a vida, cada hora em que se passa tão calada quanto nós, quando não sabemos mais o que dizer enquanto o sol se põe na névoa e a lua se esconde por traz das nuvens; todo o tempo esperando perguntas, cada hora parece um dia adormecido quando as respostas ainda falam baixinho e não abrem os seus olhos para poder enxergar.
Eu não tive medo de cada um de meus sonhos, quando escurecidos me arrastavam para longe, nem das cores opacas que haviam se formado em meio a tantas vontades sussurrantes; a prisão de pedra que se criou em minha cabeça, essa de janelas estreitas e sem muros, mas cheia de tantos outros sentimentos que repousam dentro do coração, da alma,do espírito e da mente.
Cada página vermelha, cada luz que se apaga, esse corpo que se incendeia, esse peito comprimido, essa vontade que fala alto, essa voz que se propaga, essas linhas que se escrevem; cada um desses gemidos no alto da torre de pedra nesse dia que escurece...

W. R. C.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Augusto dos Anjos




A dança da psiquê

A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombara, cedendo à ação de ignotos pesos!


É então que a vaga dos instintos presos
— Mãe de esterilidades e cansaços —
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos.


Subitamente a cerebral coréa
Pára. O cosmos sintético da Idéa
Surge. Emoções extraordinárias sinto...


Arranco do meu crânio as nebulosas.
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!


Augusto dos Anjos

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Primeiro Luar


O Primeiro Luar

Após o sol fazer sua curva
E deixar o seu convite
Os ventos do anoitecer
Levarão minhas palavras;
Quando a noite cair
E o luar mostrar sua face,
Eu soprarei minhas preces
Em direção aos alvos almejados.

Os dardos pontiagudos,
As bocas e seus sorrisos,
As línguas envenenadas,
As línguas purificadas
Com palavras de tanto poder,
Coração a palpitar,
Vontades como fumaça
Que sobe aos céus...

A lua cheia e tantos vultos,
Cada raio que disperse,
Um querer que se renova...
Aves noturnas a planar nos ares,
Os castelos e as moradas,
O abrir e fechar de portas;
Oh, lua cheia, astro maior dos amantes,
Regente suprema dos amores,
Seu brilho radiante purifica,
Seu magnetismo se espalha,
Seu encanto nos conduz.

Hoje o ciclo se renova,
O primeiro luar deixará sua magia
Percorrer os quatro cantos,
Acordando os cinco elementos,
E os passos seguirão adiante;
Quando o anjo da noite entregar a chave,
Quando os portões se abrirem
E o luar deixar sua força cair em mim
Será o inicio de uma nova jornada,
O mundo será meu quintal,
Os primeiros passos serão dados
Em direção às novidades.

Primeiro luar de grande poder
Ilumine o caminho e abra os portões,
Que as palavras ganhem vida,
Que as chaves abram as portas,
Que o verbo e a poesia se tornem reais;
Nesta noite de lua cheia
Meu canto alcançará o firmamento,
Transformar-se-á em rocha sólida,
O inicio do ciclo,
O desaguar das promessas,
Os primeiros passos
Na luz do primeiro luar...

W. R. C.

sábado, 7 de janeiro de 2012

A Poucos Passo


A poucos passos



Manhã cinzenta,
Convite tentador,
Os sonhos deixaram
Cicatrizes novas,
Mais um dia se inicia,
Ambiente nefasto,
Pássaros em silêncio
Pousam em meu jardim,
Ruas agitadas fazem seu convite,
Rotina inevitável começa novamente
De pensamentos e vontades,
Música de memórias
Que pairam no ar...

Dionísio dança com suas ninfas
Rodopiando em espiral,
Os vapores se elevam,
Estrondo musical
Que penetra corpo e alma,
Sentimentos aflorados
Por essas horas ainda guardadas
Em gavetas de vontades,
Em várias realidades.
Solidão,
Multidão,
Rostos desconhecidos,
Idéias parecidas,
Medo ânsia e prazer...

A mente despeja seu manto,
Ideologias surgem vagarosas
Lentamente seguindo seu curso,
Bailando com a música sombria
Rodopiando e girando em espiral.
Labirinto de portas abertas,
Corredores estreitos e barulhentos,
Corpos em chamas,
Desejo sem fim...

O tempo nunca para
Seus grãos de areia caem
E formam castelos de saudade.
Outro gole de vida...
Outro pensamento...
São tantos sonhos...
São tantos lamentos...
Vinho e poesia...
Anjos negros,
Demônios iluminados,
Trocando papéis,
Invertendo valores;
Turbilhão de ideais
E sentimentos confusos
Vagam pelo salão escuro
De nossas cabeças...

O gotejar das horas se arrastam,
As sombras se acumulam
Com as nuvens cinzentas do céu;
A chuva cai agora,
A chuva cairá depois,
Em gotas de reflexões variadas,
Notas musicais
Serpenteiam e se expandem,
Tempo que escorre
Por entre as frestas enegrecidas
Do abismo profundo
Dos desejos diversos
E tantas vontades insaciáveis...

Os pés estão imundos,
A lama existente no caminho
Torna pesado este trajeto solitário
Que cada ser segue
Em direção ao desconhecido amanhã;
Curvas e vozes,
Gesticulantes pensamentos...
A saída...
As portas...
A chave sempre esteve tão perto,
A poucos passos,
Em qualquer dia,
Diante dos olhos
Que se fecham,
Que nunca vão enxergar
Que não querem perceber
A simplicidade que é a vida.



W. R. C.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Gustave Le Bon



Gustave Le Bon
França: 1841 // 1931
Psicólogo/Sociólogo

Uma Nação Sem Ideal Desaparece Rapidamente da História

Qualquer que seja a raça ou o tempo considerado, o objectivo constante da atividade humana foi sempre a pesquisa da felicidade, a qual consiste, em última análise, ainda o repito, em procurar o prazer e evitar a dor. Sobre essa concepção fundamental os homens estiveram constantemente de acordo; as suas divergências aplicam-se somente à idéia que se concebe da felicidade e aos meios de a conquistar.
As suas formas são diversas, mas o termo que se tem em mira é idêntico. Sonhos de amor, de riqueza, de ambição ou de fé são os possantes factores de ilusões que a natureza emprega para conduzir-nos aos seus fins. Realização de um desejo presente ou simples esperança, a felicidade é sempre um fenómeno subjectivo. Desde que os contornos do sonho se implantam um pouco no espírito, com ardor nós tentamos obtê-lo.
Mudar a concepção da felicidade de um indivíduo ou de um povo, isto é, o seu ideal, é mudar, ao mesmo tempo, a sua concepção da vida e, por conseguinte, o seu destino. A história não é mais do que a narração dos esforços empregues pelo homem para edificar um ideal e destruí-lo em seguida, quando, tendo-o atingido, descobre a sua fragilidade.
A esperança de felicidade concebida por cada povo e as crenças que constituem a sua fórmula representam sempre o factor da sua pujança. O seu ideal nasce, cresce e morre com ele, e, qualquer que seja, dota de grande força o povo que o aceita. Essa força é tal que o ideal actua, mesmo quando promete pouca coisa. Compreende-se o mártir, para quem a fogueira simbolizava a porta do céu; mas, que proveito podiam retirar das suas cavalgadas através do mundo um legionário romano e um soldado de Napoleão? A morte ou ferimentos. O seu ideal coletivo era, entretanto, bastante forte para velar todos os sofrimentos. Considerarem-se heróis dessas grandes epopéias era para eles um ideal de felicidade, um paraíso, presente divinamente encantador. Uma nação sem ideal desaparece rapidamente da história.

Gustave Le Bon, in "As Opiniões e as Crenças"

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Cadáver Social



Cadáver Social



As cortinas foram abertas,
Iniciou-se o espetáculo,
No picadeiro da vida estão eles,
Caminhando de um lado para o outro
Escondendo soluções,
Pintando suas máscaras;
Olhares turvos enxergam mais vez
A primavera florida das lembranças,
O inverno gélido do momento,
O verão cinzento da indiferença,
Estações sussurrantes
E seus verbos;
O choro forte ecoa
Pelos corredores amarelados
Em distorcidos lamentos,
Janelas e telhados
Castigadas pela chuva
De outras horas,
De tantas emoções misturadas,
Verdades gritantes
Dançam agitadas na memória
Marcando este momento
Em um velho relógio.


Os peões vão se posicionando
Em frente aos obstáculos,
No jogo da vida,
Vitórias e derrotas
Em um tabuleiro de xadrez,
Batalhas travadas
Entre o mundo e você,
Este mesmo cheio de dúvidas
E tantas incertezas,
Cheio de curvas
E todas suas vozes,
Regido por reis e rainhas
E seus fiéis aliados.
Marionetes controladas
Por mãos envoltas em luvas,
Dedilhando o sistema e sua culpa
Querendo controlar os passos
Desses seres que travam essa luta,
Bonecos de porcelana
De estrutura muito frágil.

A fumaça ainda paira no ar,
Os olhos se confundem,
A mente e o corpo
É um só sentimento misto,
Passeando sem limites
Pelos corredores do momento
Como um carrossel de embriagues,
Consciências e devaneios,
Que gira veloz e agitado
Como sangue quente
Que corre nas veias.

O tempo parece parar,
E as imagens
Ao redor se difundem,
Tudo aquilo que aconteceu
Foi gravado e visto,
O fruto da vida humana
E seus diversos sentimentos,
Um aglomerado de rostos
Que parecem todos iguais
Marchando, tentando se libertar
Do progresso destrutivo e grotesco,
Da sublime ciência,
Subindo uns nas costas dos outros
Para colher o melhor fruto da árvore social,
Perdidos entre os deveres e os sonhos
Cadáveres da sociedade que agora
São digeridos em uma ceia.


W. R. C.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Eu Vejo



Eu vejo


Eu vejo claramente
Todos os meus sonhos
Que se desenharam de formas diversas
Dessas noites de horas pingadas
Um por um se rabiscando
Em minha mente
Com suas lembranças variadas
Dessa paixão desperta
E todas as sensações,
Se repetindo novamente
Apertando o peito
Em espasmos tamanhos.

Você pode imaginar
Sua vida inteira, agora,
Diante de seus olhos
A se desenhar?
Eu sei que a chance
Está sempre próxima
A um palmo, bem perto,
Gotas cristalinas
A despejar
Ou fumaça entorpecente tóxica
Do que fora descoberto
Daqueles momentos
Vividos de outrora.

A um passo entre mim
E você novamente
E nossos passos despreocupados;
Essa porta transparente que nos separa
Esse fogo a arder em nossas veias,
Essa vontade que nos dilacera,
Uma paixão perdida
Que se incendeia
Deixando alguns membros
A arder em chamas
Dormentes, vibrantes,
Tesouros encontrados...

Eu vejo novamente tudo se repetir
Como havia sido naquele instante
Entre os doces beijos inocentes,
Cada gesto, cada toque, tudo;
Mas nada mais
É como fora antes,
Tantos abraços ardentes.
O tempo agora ficou mudo,
Àquelas horas, no momento,
Querem novamente existir...


W. R. C.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Em Algum Lugar Do Tempo


Em algum lugar do tempo

Aqui estou, neste dia cinzento, um novo começo repleto de expectativas e novidades, entre a relva e seus espinhos e suas folhas renovadas; depois do meio dia e suas brumas, entre os ponteiros do relógio e seus segredos, cultivando o silêncio, alimentando as vontades, distante da selva de pedras e seus tormentos, buscando por um instante a inspiração desejada; cada rosto, cada susto, sem acesso como um vulto; é um caminho que escolhi, onde semeei cada uma de minhas buscas e espero colher o fruto doce neste presente transparente, cada broto azul de folhas vermelhas e flores amarelas. Agora deixo as memórias guardadas de dias que murcharam e se esconderam, entre o caminho bifurcado de escolhas diárias e portas pesadas, de pedras que se juntam, o que for para ser será, o que se criar vai ser...
Aqui estamos, cada um de nós, quase os mesmos, diante do espelho, rodeados de tantos e tão sozinhos, na floresta de nossos sonhos, na solidão de cada desejo, entre os dias que passam e ficam esperando as chaves, para começar a abrir as portas e adentrar no jardim que nos espera; deixando seu doce perfume se espalhar e todos aqueles aromas que não querem mais ir embora, cravados no intimo de cada ser, com garras pontiagudas; escutando o eco de cada sentimento se perder entre frestas abertas do acaso e as curvas desiguais desta selva, vendo o que pode encaixar e o que temos que deixar partir...
Vemos os pássaros construir ninhos de gravetos tão frágeis, onde criam vida e geram liberdade; também vemos o homem tão faminto tentando se encontrar, em meio os dias corridos e suas vozes, sedentos, cheios de esperança e ideais.
Outro dia cinzento, horas que pingam como as gotas da chuvas a banhar sua face; você aguardando respostas com tantos pensamentos que nunca descansam, com todos seus valores, na escada de inumeros conceitos, a colina que guarda as verdades, esperando que o vento traga novamente o que soprou para longe; janelas fechadas ocultam olhares distantes, perdidos entre nuvens escuras e tantas vontades, nesses dias que se abrem, tão corridos, com reflexos do passado e tudo o que ficou perdido com o tempo; janelas da alma que guardam saudade... No alto da cidade enegrecia o céu despeja seu pranto lacrimoso, sobre seu corpo a água escorre lentamente, nuvens mudas silenciam os sentimentos que qerem gritar suas vozes em sons de trovoadas; seu rosto tão belo ainda reside em sonhos diversos... O sol se esconde guardando todas suas luzes, o fogo ferido que rasga sua pele; ao longe pode-se ouvir melodias diversas, de vários amores, de muitos pesares com todas suas cores, e nós esperamos por nossa vez, uma outra página qualquer quando os olhares se cruzarem, quando os dias se fizerem e nossos corpos se insendearem sobre a chuva que cai...
Aqui estou entre a relva ainda existente, o que sobrou de sentimentos gritantes, que ainda podem gritar novamente, cada sussurro que evapora entre dias tão corridos e o gotejar de cada hora, que sobe aos céus e viram chuva, irrigando o solo de minhas buscas; nada mais é como um dia fora antes, antes do céu se escurecer, a chuva te molhar, a Terra estremecer e todas as pedras que vão rolar; tudo renovado, antes que você possa perceber, antes da próxima página se iniciar...
W. R. C.