quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Gaston Bachelard


Gaston Bachelard
França: 1884 // 1962 Filósofo

A Realidade do Amor

Que sempre existam almas para as quais o amor seja também o contacto de duas poesias, a convergência de dois devaneios. O amor, enquanto amor, nunca termina de se exprimir e exprime-se tanto melhor quanto mais poeticamente é sonhado. Os devaneios de duas almas solitárias preparam a magia de amar. Um realista da paixão verá aí apenas fórmulas evanescentes. Mas não é menos verdade que as grandes paixões se preparam em grandes devaneios. Mutilamos a realidade do amor quando a separamos de toda a sua irrealidade.

Gaston Bachelard, in ' A Poética do Devaneio'

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Incomodando os Anjos



Incomodando os Anjos


Transcorrendo em direção ao desconhecido,
Lembranças gritantes, vontades que não se foram,
Ainda rasgam os sentidos sem piedade,
A história retrocede nos meus espelhos oculares
Como vultos disformes a me atormentar;
É quando vejo com perfeição tudo novamente,
Se escrevendo em linhas imprecisas,
Em sonhos nebulosos distorcidos,
Levado por uma onda de versos em uma estrada deserta,
Onde me afogo em meus desejos sem fim,
Sedento e faminto, sem poder me saciar...

A memória fala no coração de uma cidade cinzenta,
Com suas janelas abertas mas sem enxergar;
Um pomar cheio de maçãs,navio a navegar,
E pagina por pagina se escreve,
Um livro sagrado, linha por linha.

Toda a minha vida, em cada uma estrada,
Eu tenho incomodado os anjos constantemente,
Me perdendo em mim mesmo,
Me encontrando em negras asas,
Voando sorrateiro entre sentimentos,
Passeando, subindo, descendo e vivendo,
Cada dia como se fosse o ultimo,
Cada hora como se fosse a primeira,
Tão perto do limite, entre a vida e a morte,
O sono profundo e o despertar ardente
Incomodando os anjos constantemente.

Passeando através da Cadeia de Luz,
Que adentra cada janela enegrecida
E transforma cada dia esquecido,
Até a cidade ferida e silenciosa
Enchendo meu espírito, minha carne,
Com sensações e vontades,
Com o mais selvagem desejo de voar.

Pegando a estrada para a cidade ferida,
Pelos homens e suas pragas,
Sem tocar os pés no chão,
Sentindo o vento frio banhar a face,
Soprar a alma suavemente,
A memória dedilhando no coração
A melodia que canta a vida;
Toda a minha vida, eu tenho incomodado constantemente,
Passeando, girando e voando, bem além dos limites,
Bem além dos sonhos e suas portas;
Incomodando os anjos constantemente.

Caminhando pelo fio da navalha,
Em direção ao corte final,
Que não deixará cicatriz,
Entre o passado e o futuro,
O ontem, o hoje e o amanhã,
Sonhando e vivendo as cores
Que não estão em minha realidade,
Pois as sementes agora que foram lançadas,
Sendo levadas pelas canções de tempos perdidos,
De momentos únicos guardados,
Memória ecoando no coração de um sonhador,
Memória batendo ressoando em uma alma faminta
Que sempre estará incomodando os anjos.

W. R. C.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Sombras do Futuro



Sombras do futuro


Nuvens cinzentas cobrem o céu,
É lá onde se escondem os pensamentos,
Em torrentes constantes de sentimentos,
Fagulhas, pedaços do que um dia foi meu.

No abandono do coração cansado,
Uma lágrima brilhante guarda a saudade,
Nas linhas distorcidas toda verdade,
No fundo do peito o sentimento enclausurado.

Portas fechadas em nuvens celestiais,
Pensamentos perdidos num ontem tão gritante,
Feridas d'alma, dores agonizante,
No jardim desbotado que não nascem mais flores iguais.

Aqui sozinho e em silêncio profundo,
Onde as recordações brincam alegremente
E o coração bate em um compasso descontente,
No curso da vida que segue o mundo.

Escadas flutuantes que levam ao céu,
Onde poderei calar meus lamentos,
E as quatro estações sopradas pelos ventos
Me tragam de volta, fagulhas, pedaços do que um dia foi meu.

Dias que passam, horas que se arrastam sem fim,
Lamentos engarrafados em uma estante empoeirada,
Páginas que viram, andarilho que segue a estrada.
Sombras do futuro, o que os ventos trarão para mim?

Trarão o passado em uma caixa reluzente,
Ainda repleto de flores e venenosos espinhos,
Ou abrirão portas de novos caminhos,
Em meio às tempestades do presente?

Sombras do futuro o que tem a dizer,
Quando as lágrimas não podem matar essa fome,
E o tempo lentamente nos consome,
E não sabemos mais o que fazer?


W. R. C.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Perguntas Inquietantes



Perguntas inquietantes


Quantas máscaras teremos no decorrer de nossos dias?
Quantas vozes ecoarão perdidas na imensidão do firmamento
Cantando saudades gritando um mesmo amor que se foi?
Poderiamos despir nossas almas de nós mesmos?
Você saberia me dizer quanto vale uma lágrima sincera?
E quantos beijos faltarão até que eu chegasse ao seu coração?
Posso segurar meus sentimentos em minhas mãos e recrialos?

Até quando você irá ficar ai sentado esperando
Pelas respostas que deixou cair de suas perguntas?
Por que ainda segura o tempo que perdeu em suas mãos?
Por que as paredes de sua consciência são tão escuras?
Seu corpo se desintegra quando você pensa no amor,
Quando tem uma sede incontrolável de amar?
Esse seu grito melancólico ecoará para sempre no universo?

Quantos sonhos ainda terão até despertarmos para a realidade?
Que enigma é esse que se arrasta pelos séculos
E que alguns chamam de vida?
Por que nossas preces demoram tanto a bater nos portões celestiais?
Quantos quadros de nós mesmos ficarão pintados
Nas paredes escuras de nossas lembranças?
O que é isso que grita tão alto no topo de nossas cabeças,
São os segredos arrancados de nossa órbita craniana?

Você consegue enxergar através do véu escuro da incerteza,
Pode ver as sombras se formando além do horizonte?
Você vê o movimento sorrateiro que fazem as horas,
Quando arrastam suas memórias
E seus sentimentos para longe?
Consegue ver as portas que ficam ocultas
Por trás das nuvens tempestuosas?
Você pode ver?...

Quantos cairam para que o mundo se tornasse mundo?
Que ave fez seu ninho no alto de nossos sonhos?
São suas crias que devoram nossos sentimentos?
É essa que guardará seus ossos quando voltar para casa?
Por que plantam cadáveres nos jardins floridos da existência?
E você sabe alguma resposta dessas perguntas que fazem a vida?

Você tem as cartas certas para esse jogo?
Ainda anda lado a lado com sua sorte?
Esses dias cinzentos ainda sorriem para você?
Já sentiu o gosto doce da vitória, ou o amargo da derrota?
Sabe o valor que tem sua alma?
Cada dia se inicia, com novas cartas na mão,
Se quiser jogar com a vida é bom que tenha boas cartas!...


W. R. C.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Marcus Tullius Cícero


Marcus Tullius Cícero
Roma Antiga: -106 // -43
Politico/Orador/Filósofo


A Amizade é Indispensável ao Nosso Ser

A amizade é a unica coisa cuja utilidade é unanimemente reconhecida. A própria virtude tem muitos detratores, que a acusam de ostentação e charlatanismo. Muitos desprezam as riquezas e, contentes de pouco, agradam-se da mediocridade. As honras, à procura da qual se matam tanto as pessoas, quantos outros as desdenham até olhá-las como o que há de mais fútil e de mais frívolo? E, assim, quanto ao mais! O que a uns parece admirável, ao juízo doutros nada é. Mas quanto à amizade, toda a gente está de acordo: os que se ocupam dos negócios públicos, os que se apaixonaram pelo estudo e pelas indagações sapientes, e os que, longe do bulício, limitam os seus cuidados aos seus interesses privados: todos enfim, aqueles mesmos que se entregaram todos inteiros aos prazeres, declaram que a vida nada é sem a amizade, por pouco que queiram reservar a sua para algum sentimento honorável.Ela se insinua, com efeito, não sei como, no coração de todos os homens e não se admite que, sem ela, possa passar nenhuma condição da vida. Bem mais, se é um homem de natureza selvagem, muito feroz para odiar seus semelhantes e fugir do seu contacto, como fazia, diz-se, não sei mais que Timon de Atenas. É preciso ainda que este homem procure um confidente no seio do qual possa verter o seu veneno e o seu ódio. A necessidade da amizade será ainda mais evidente, se ele pudesse admitir que um Deus nos tirasse do seio da sociedade para nos colocar numa solidão profunda, onde, fornecendo-nos em abundância tudo o que a natureza nos pode propinar, nos subtraísse ao mesmo passo a esperança e os meios de ver jamais qualquer face humana.

Qual é a alma de ferro que suportaria uma tal existência e a quem a solidão não tornaria insípidos todos os gozos? Assim tenho por verdadeiras as palavras de Arquitas de Taranto, que entendi recordar a velhos que as ouviram eles próprios de seus pais: «se alguem subir ao céu, e de lá contemplar a beleza do universo e dos astros, todas essas maravilhas deixá-lo-ão indiferente, enquanto que o embasbacarão de surpresa se tiver de contá-las a alguém». Assim, a natureza do homem se recusa à solidão, e parece sempre procurar um apoio: e não o há mais doce que o coração de um terno amigo.

Marcus Cícero, in 'Diálogo sobre a Amizade'

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O rio sem volta



O rio sem volta

Parta o pão e beba o vinho,
Sinta o gosto amargo mais uma vez,
Pegue o cálice, sugue a seiva envenenada;
Cada gota que corre por suas veias,
Sinta seu corpo entorpecer lentamente,
Há frieza em cada raio solar,
E melancolia em cada uma de suas orações,
Quando o anjo da manhã cinzenta
Deixar de te escutar.
E seguirei este rio sem volta,
O curso fluvial de minhas ideias constantes,
Água flui, da terra ao céu,
Lágrimas escorrem em direção ao inferno,
Olhando sobre todas as rosas,
Deitado sobre espinhos pontiagudos,
Que rasgam os sentimentos adormecidos;
Nada se move, a roda do paraíso gira,
Encaminhando cada destino,
Pensamentos que se expandem,
Sonhos que perdem suas cores,
Enquanto nossos dedos deixam o rastro,
O sangue de sua ultima refeição...
Somos deuses em um mundo que ousamos adotar,
Somos vítimas, somos algozes de nós mesmos,
Carrascos sanguinolentos das emoções...
Agora estamos perdidos, não podemos disfarçar,
A erva daninha cresce lentamente,
Ofuscando visão e pensamento,
É sufocante, é delirante e prazeroso...
O rio sem volta agora se foi, perceba,
Suas águas profundas guardam nosso segredo,
Criando brasas de nossas vidas passadas,
Escritas em papéis de memórias por todos os lados,
Em cima e em baixo, em cada parede escurecida,
Um pouco de nossa história,
E pedras em nosso presente.
Nós lutamos bravamente vivemos para virar a maré,
Onda por onda, vento por vento,
Tendo vida mais longa no ermo astral,
Entre o tempo e suas vozes
Nós olhamos uns para os outros,
Nós encaramos a morte,
Como guerreiros sedentos por sangue,
Toda a minha vida, na sua frente,
Escritas por todos os lados
Segredos solitários ocultos de sua visão.
Agora orbitamos um sol diferente,
Um calor que queima por dentro,
Por toda a eternidade,
Esse sol vermelho, frio, vazio,
Condenados a não contar a ninguém,
E atormentados por todos os rostos
E todos os gritos dos condenados,
Que deixaram seus nomes escritos no livro sagrado
De nossas cabeças poierentas.
Agora estou realmente sozinho
As paredes do túmulo e o rio sem volta,
Rio de linhas e letras, de sonho e silêncio,
Este cenário cinzento e morbido,
Estou surpreso pelo que sou,
E pelo que me tornei agora,
Eu nunca conheci, os sentimentos que ignorei,
Nem sei o por que de cada linha que se escreve,
E toda dor que aprendi a amar,
A angústia me conduz,
Eu gostaria de poder voltar,
Umas páginas apenas e nada mais,
E sentir o perfume daquela rosa noturna,
Os parágrafos daquelas esquinas escuras;
Já não procuro mais todo o amor que secou,
Esse que evaporou em águas literárias,
Em versos solitários de linhas desenhadas
Descendo o rio sem volta.


W. R. C.

sábado, 8 de outubro de 2011

Tudo em uma garrafa


Tudo em uma garrafa


É, seguimos, este presente, nestes caminhos de idas e vindas, a vida é tão urgente; como diz minha amiga: Alessandra Rodrigues... Mesmo que, em determinados dias, queremos juntar tudo, como se fosse em uma garrafa para beber nesta mesma noite; cada pedaço pequenino, de todas as eras, tudo que sentimos, cada amigo que o tempo vai escondendo da gente, cada sentimento que partiu sem se despedir, todos os beijos que o tempo calou, cada amor que fora soprado ao deserto do esquecimento, nas asas do tempo impiedoso; por tudo nesta garrafa e beber em goles suaves de recordações, deixar esse momento escorrer alma a dentro, cada um, todos os rostos que não estão presentes, cada sentimento que se faz ausente, tudo nesta mesma garrafa, neste mesmo instante, hoje e ontem, menino ou homem, presente e passado, pretérito perfeito, jogado no tempo, nessa existência, agora... Todos aqui, sem se preocupar com as horas, e nem o que tem que fazer amanhã; pois as horas as vezes pingam, com gotas de saudade, de lágrimas derramadas em silêncio, e preces a meia noite; com notícias sussurradas do passado, que quietas se mexem, de forma tão doce, na consciência do presente, sentindo tudo que estava guardado, nestas gavetas do tempo, em poucas notas musicais, tão discreto, tão perfeito, um quadro pintado e exposto na própria galeria da vida, a mercê da poeira que paira dos pensamentos, esses que não tem limites, que não tem palpites, que vem nesses momentos, nessas garrafas, que se bebem de uma só vez...
Nunca lemos uma poesia de luz acesa, pois ofusca os olhos; esses que buscaram tanta realidade,então apagamos as luzes de nossas mentes e deixamos os sonhos brilharem no escuro, em meio à vontades, em meio à aquilo que falamos baixinho e que evaporaram de vagar, canções gritantes que soaram suaves, perdidas no instante daquele derradeiro sentimento, entre as coisa que são jogadas, que são deixadas em um canto, pequeninos pedaços de nossas vidas; os pensamentos; outro gole, e um batimento cardíaco...
As cascatas de horas que escorrem, lavando, levando cada pedaço de nós que se desprendeu depois que as lembranças são derramadas pelo ralo escuro deste momento; é; o presente; que sempre é urgente, que nos faz correr em direção ao amanhã, buscando encontrar respostas em meio a uma torrente ininterrupta de perguntas, o tempo todo querendo estar presente, todas as horas, essas que distraídos parecemos pessoas ausentes...
Outro gole, cerveja quente, silêncio profundo, uma vontade de estar com uma certa pessoa, que não está mais aqui, a muito tempo deixou de passear por aqui... O saco cinzento da paciência parece estar cheio, estas vozes tortas que sujam a parede,sempre mancham as memórias; até mesmo as que estavam guardadas; com suas chaves esquecidas, pois quase não eram usadas, desgastadas por sentimentos que evaporaram no ar seguindo o curso dos acontecimentos inevitáveis... Gostaria de saber; mas nem sei o porque deste gosto amargo do meu presente...
Cada passo, cada traço,um pedaço de nós esquecido para trás, cada salto, cada retrocesso, outro passo que se escreve nestas folhas amareladas dos dias agitados, e dos sonhos conturbados, que trazem fatos e fotos, feitos e fugas em um turbilhão de sensações variadas, pingadas gota a gota no fundo de nossa consciência.
Parados esperando; essa música se findar, beber o ultimo gole, dizer mais uma vez eu te amo, um abraço apertado em todos e prometer que isso não vai ser um adeus... Costurando alguns planos e remendando varias verdades; com esse sopro da meia noite, tão musical e vermelho; só quero um pouco de seu beijo e deitar sossegado, cantando as alegrias de hoje e de ontem, que coloquei nesta garrafa...



W. R. C.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

E a história termina



E a história termina

E a história termina,
Já não existe mais tinta para riscar o papel...
Insanidade disse friamente,
Olhando em nossos olhos, focando em nossos rostos;
Com voz grave, sem piedade:
Ainda esperando pela chance,
Então do nada irá se erguer,
Com as cinzas do último incêndio,
Chega, levante a cabeça e comece a andar,
Pois a estrada ainda será longa para você.
Oh, e outra jornada se inicia pelo chamado da lua;
Aquilo realmente era eu?
Aquilo realmente fazia parte de uma realidade,
Onde me perdia diariamente, e me afastava de tudo?
Eu vi no espelho gritando, eu engoli ódio e mentiras,
Que rasgaram minhas entranhas com o medo;
Eu vi nas esquinas e nas ruas iluminadas,
Através de mil lamentos, mil sussurros, mil tormentos;
Alguém está sugando nossa energia,
Como parasita, faminto,
Drenando nossos pensamentos,
Se alimentando dos sonhos que ainda não se realizaram,
Sorvendo nossas vidas lentamente.
O que podemos fazer, quando seguimos sem saber o destino,
Nesta estrada para lugar algum,
Quando o abismo se torna cada vez mais profundo?
O coração jaz no limite do tempo,
O ontem morre devagar enterrado no passado,
E por mais presente que isso seja morre...
Uma nova vida está esperando por você,
Está esperando por mim,
E a primeira imagem que você vê é a sua,
Pule através do espelho, deixe o medo para trás,
Abra uma nova porta, e comece a caminhar,
Liberte-se... Liberte-se...
Não importa onde eu tente, onde busque clarear,
A luz da vela parecia perdida para sempre,
Antes de minha visão acabar, de minhas linhas se findarem,
Nós não estamos sozinhos, há mais alguém,
Sempre existirá um outro alguém,
Do outro lado do espelho, por traz das cortinas vermelhas,
Refletindo a parte cruel de nossa alma.
É hora de nossa escolha, um novo dia irá nascer,
E a história termina...
E outra jornada começa...
Como poderemos acreditar se existe o bem e o mal,
Se o amor vai mesmo colorir nossos dias cinzentos,
Se a verdade não perderá a batalha para a mentira?
Nunca saberemos se não tentar-mos,
As portas começam a se abrir, siga em frente;
Os ferimentos da vida eles irão permanecer,
Em carne viva, e sentimentos dolorosos,
As cicatrizes da alma sempre estarão aqui,
Desenhando lembranças obscuras nela;
Uma página em branco estará esperando,
Pronta para que seja riscada, novas linhas,
Novos ventos, novos sonhos, outros dias,
Fim de uma história e começo de outra
Em uma nova jornada que se inicia.

W. R. C.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Boneca Mecânica



Boneca mecânica


O tempo a deixou assim,
Ele não foi generoso com você,
Seu vento frio soprou para longe
Cada fagulha de amor que nascia em tí;
O sorriso foi se apagando em meio à multidão
E os venenos que evaporam no ar;
Linhas invisíveis a guiaram como marionete
Em direção ao precipício da incerteza...

Sentada no alto de seus medos,
E meio à pensamentos profundos
E borboletas de papel que voam ao redor
Com traços de vida escritos em suas asas;
Fica a remoer amores pingados,
A reviver dias que foram levados em silêncio
Pela lembrança que fora ofuscada com o tempo,
Se perdendo vagarosamente nas gavetas da memória.

Pássaros com olhos de vidro bicam os sentimentos,
Cada pedaço que se desprende e cai
Alimentam essas aves de cores escuras,
De canto tristonho, de voo sorrateiro,
Aves de nomes melancólicos,
Devoradoras de sentidos,
Consumidoras de razão...

É verdade o tempo se perde em ontem e hoje,
O que tentamos construir e desmorona,
Altares erguidos em vão ao deus do amor,
O que planejamos em sonhos cinzentos,
O que escrevemos em papéis amarelados
E o que deixamos bem guardado no fundo do peito.

Você ainda continuará sentada aí
Quando o dia amanhecer, e o sol brilhar?
As portas trancadas se abrirão
E o presente lhe presenteará com novidades,
Assim como o fruto amadurece e é colhido
Cada sonho nosso também pode ser,
Basta amanhecer cada sentimento...

W. R. C.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Pablo Neruda




Pablo Neruda
Chile: 1904 // 1973 Poeta


Conduta e Poesia

Quando o tempo nos vai comendo com o seu relâmpago quotidiano decisivo, as atitudes fundadas, as confianças, a fé cega se precipitam e a elevação do poeta tende a cair como o mais triste nácar cuspido, perguntamo-nos se já chegou a hora de envilecermos. A hora dolorosa de ver como o homem se sustém a puro dente, a puras unhas, a puros interesses. E como entram na casa da poesia os dentes e as unhas e os ramos da feroz árvore do ódio. É o poder da idade, ou proventura, a inércia que faz retroceder as frutas no próprio bordo do coração, ou talvez o «artístico» se apodere do poeta e, em vez do canto salobro que as ondas profundas devem fazer saltar, vemos cada dia o miserável ser humano defendendo o seu miserável tesouro de pessoa preferida?
Aí, o tempo avança com cinza, com ar e com água! A pedra que o lodo e a angústia morderam floresce com prontidão com estrondo de mar, e a pequena rosa regressa ao seu delicado túmulo de corola.
O tempo lava e desenvolve, ordena e continua.
E que fica então das pequenas podridões, das pequenas conspirações do silêncio, dos pequenos frios sujos da hostilidade? Nada, e na casa da poesia não permanece nada além do que foi escrito com sangue para ser escutado pelo sangue.

Pablo Neruda, in "Nasci para Nascer"

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Parte de uma lembrança




Parte de uma lembrança


Preso no tempo e espaço, como um pássaro na gaiola cruelmente condenado, girando em espiral nos vapores sufocantes da consciência, num estado de visões passageiras, e distrações momentâneas, que insistem em permanecer, que dilaceram meus sentidos; de repente percebo que o errado é o certo desafiando as leis, contradizendo as regras, pronto para iniciar uma luta, de armas invisíveis, de vozes silenciosas, uma batalha cruel contra os sentimentos, contra a realidade, tudo que gritou o tempo e balbuciou as vontades.
O amor arrastará seu coração para um mundo onde os sonhos são feitos, onde as verdades as vezes se escondem e não é possível esconder de sua mente sem ajuda, em silêncio; juntos nós esperamos calados, as respostas surgirem, os mundos se encaixarem, papeis se escreverem e tudo se resolver como tiver que ser, de acordo com cada semente germinada.
Eu gritei um nome no pátio, debaixo das árvores cinzentas, o sussuro que eu segurava era como um velho amigo, contando estórias; as rosas trepavam pelas paredes, e seus espinhos adormeciam lentamente, o vento prendeu sua respiração, ocultou as batidas de meu coração; mas a resposta que eu esperava nunca veio, ela flutuou no tempo, ficou engasgada entre o ontem e o hoje, silencioso, brumas e devaneios; entre aquilo que tanto quero e se mantem guardado, entre você e eu, e todos os outros que surgiram depois; entre tudo que não valeu nada, o abrir e fechas das portas transparentes; entre palavras que nunca passaram de palavras, que caladas ficaram sem dizer nada, nunca tiveram a chanse de se transformar ...
Veio o silêncio, e a distância ficou ainda maior, veio a tristeza com sua espada flamejante transpassando corpo e alma, dilacerando pensamento e emoção; veio os lobos famintos devoradores de esperança, veio as horas arrastando a saudade, veio o frio... Paredes construídas entre nós, milhas nos separam, algo parece existir ainda em nossos corações, nós compartilhamos o mesmo sonho, a mesma vontade, essa de amar sem medo, de amar com os sonhos prontos a se tornarem realidades, pronto a sentir toda sua essência... Talvez... Quem irá nos dizer, nunca se tem tempo suficiente!
Sentimento tão forte, precisamos seguir em frente, para o nosso mundo mágico, esse de sensações oníricas, esse lugar único onde não tem espaço para mais ninguém, onde os sonhos podem se tornar realidade, e a realidade pode ser criada novamente mas sem o risco que tudo escorra por nossos dedos.
O destino nos chamou, como um poema sem fim, um lamento em cores púrpuras,um grito que ecoa distante, um desejo enclausurado por uma parede chamada vida; vamos seguir, dançar até a música findar, e nossos corpos chegarem a exaustão, até ter a certeza de que nada mais é certo, até termos certeza de que seguiremos uma estrada qualquer, deixar cada curva nos levar, mesmo que por acaso, mesmo que por um segundo, mesmo que em sonhos, está tudo diante dos olhos.
Onde está aquele rosto silencioso, que eu levei todo tempo comigo, foi embora?
Ainda reside em meus sonhos, em minhas lembranças mais agradáveis, em meu coração; agora estou aqui, não sei como manter cada luz dentro de mim, essa que brilhavam tão constantemente, espere, tarde demais... Não posso mais... Não sei mais como...
Será que eu as verei de volta novamente, ou todas morreram pela minha mão, ou foram mortas pelo velho e maligno fantasma do acaso,pelo abismo enegrecido que existe entre cada mundo, em cada esquina que vemos os outros partirem; de todos os meus sonhos que valiam a pena serem guardados no fundo do meu coração, eu gostaria de poder tê-los de volta do fluxo eterno antes de eles desaparecerem, evaporarem dia após dia, antes que seja tarde e eu faça parte apenas de lembranças ...

W. R. C.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Agora Sou II



Agora Sou II

Agora sou, pássaro de plumagem sombria
De canto profundo, de olhos de fogo,
Estrela mais distante, constelação das horas,
Pensamento constante, vontades guardadas,
Silêncio que grita, grito calado...

Agora sou,sentimento que incendeia,
Lágrimas da alma que chora
A espera do amanhã, lembrando o ontem hoje,
Os pés cansados do andarilho e suas bolhas,
Sangue, suor e lástimas...

Agora sou o veneno que lentamente intoxica,
A mente que se perde e não quer mais acreditar,
O amor inexistente que quer existir,
Peregrino que volta para casa,
Amante que perdeu sua amada...

Agora sou, os ossos dos que já se foram,
A esperança que ainda espera,
Cego armado no tiroteio,
Sangue que escorre da ferida,
Meteoro rupestre que cai...

Agora sou labirinto sem saída,
Portas que se fecham, que se abrem,
consciência inconsciente que se expande,
Passado, presente e futuro,
O arquiteto: areia, tijolos,cimento que constrói...

Agora sou, a inocência das crianças,
A sede dos amantes voluptuosos,
As primícias de um novo tempo,
Horas que se arrastam devagar,
Vida, morte, terra, fogo, água e ar...


W. R. C.