Camilo
Pessanha
Portugal: 1867 // 1926
Poeta
Lúbrica
Quando
a vejo, de tarde, na alameda,
Arrastando
com ar de antiga fada,
Pela
rama da murta despontada,
A
saia transparente de alva seda,
E
medito no gozo que promete
A
sua boca fresca, pequenina,
E
o seio mergulhado em renda fina,
Sob
a curva ligeira do corpete;
Pela
mente me passa em nuvem densa
Um
tropel infinito de desejos:
Quero,
às vezes, sorvê-la, em grandes beijos,
Da
luxúria febril na chama intensa...
Desejo,
num transporte de gigante,
Estreitá-la
de rijo entre meus braços,
Até
quase esmagar nesses abraços
A
sua carne branca e palpitante;
Como,
da Ásia nos bosques tropicais
Apertam,
em espiral auriluzente,
Os
músculos hercúleos da serpente,
Aos
troncos das palmeiras colossais.
Mas,
depois, quando o peso do cansaço
A
sepulta na morna letargia,
Dormitando,
repousa, todo o dia,
À
sombra da palmeira, o corpo lasso.
Assim,
quisera eu, exausto, quando,
No
delírio da gula todo absorto,
Me
prostasse, embriagado, semimorto,
O
vapor do prazer em sono brando;
Entrever,
sobre fundo esvaecido,
Dos
fantasmas da febre o incerto mar,
Mas
sempre sob o azul do seu olhar,
Aspirando
o frescor do seu vestido,
Como
os ébrios chineses, delirantes,
Respiram,
a dormir, o fumo quieto,
Que
o seu longo cachimbo predileto
No
ambiente espalhava pouco antes...
Se
me lembra, porém, que essa doçura,
Efeito
da inocência em que anda envolta,
Me
foge, como um sonho, ou nuvem solta,
Ao
ferir-lhe um só beijo a face pura;
Que
há de dissipar-se no momento
Em
que eu tentar correr para abraçá-la,
Miragem
inconstante, que resvala
No
horizonte do louco pensamento;
Quero
admirá-la, então, tranqüilamente,
Em
feliz apatia, de olhos fitos,
Como
admiro o matiz dos passaritos,
Temendo
que o ruído os afugente;
Para
assim conservar-lhe a graça imensa,
E
ver outros mordidos por desejos
De
sorver sua carne, em grandes beijos,
Da
luxúria febril na chama intensa...
Mas
não posso contar: nada há que exceda
A
nuvem de desejos que me esmaga,
Quando
a vejo, da tarde à sombra vaga,
Passeando
sozinha na alameda...
Camilo
Pessanha, in 'Clepsidra'