segunda-feira, 29 de outubro de 2012


Despertar
 
O despertar da consciência
Que segue os seus ciclos
E fases, e faces
Entre seus labirintos
De portas diversas,
A despedida do dia,
Do astro solar
E suas luzes;
Um mergulho profundo
Noite adentro,
Alma a fora;
Inconscientes se formam
Os sentidos,
E sentem, e sabem
E sobem aos céus
Na noite de grande luar...
Perder o medo do sentir
Onde um dia
Perdeu-se a inocência
Em sussurros e versos;
As palavras
São vidro frágil,
Páginas podem se rasgar,
Vestes de poucas cores
Escondem as cicatrizes
Que ficaram de todos os risos,
De todos os amores;
Verdades sopradas então
Aos quatro cantos,
Nas quatro estações...
Mas o que acreditamos
Fica marcado para sempre
Com a vinda do luar grandioso
Como brasa a se queimar,
Agora pulsam
Na pele frágil,
No mais fundo d’alma,
Semente do querer
E seus mistérios
Ainda não revelados
Pronta para germinar...
W. R. C.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012



Estacionado no tempo
 
A estrada de ferro
Guardou seus segredos
Em várias estações;
Sussurros soprados
De emoções diversas,
Cicatrizes marcadas
Na carne e no aço,
Muitas milhas,
Tantos sonhos,
Uma jornada.
Cenários variados
E algumas despedidas
Ficaram no fundo do peito;
Um olhar calado
E outra avenida
Antes da ultima parada
E a próxima procura começar.
As cores se foram,
Os versos ficaram
Estacionados no tempo
Entre pensamentos,
Lembranças, sentidos
E visitantes curiosos.
Agora só a saudade sabe
Após semear recordações
O que trilhos contaram
Em seus dias percorridos;
Muitas de suas verdades
Despejadas em cada curva
Desenhadas pelo tempo,
Escritas n’alma,
Deixada em uma parada qualquer
Que como o vagão
Assim estacionou.
W. R. C.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Tateando sonhos
 

A pressão vai crescendo quando os dedos tocam os céus, suas pontas podem sentir no bater de suas palmas, na brisa do vento que as cortam muitas sinfonias, cada uma entre um espetáculo e outro que a vida apresenta; um pouco do outro lado onde se ocultam as verdades dos homens em veste e restos da poeira do tempo onde se juntam os elementos e suas inúmeras máscaras e fantasias, realidades variadas das partes juntadas de muitos dias; a vontade de deixar a imaginação voar aumenta dia após dia entre o sonho e a derradeira estação, são os pássaros de nossos eus querendo sair e tatear idéias; eu não consigo ficar longe de cada um desses pensamentos quando eles surgem reluzentes em meio noites cinzentas e inúmeros quereres, de tantos sentidos latentes e seus diversos dizeres, o corpo que adormece latejante e diz que não pode mais germinar o solo, não agora, diz que quer voar com esses pensamentos  e tocar o intimo gritante de cada sensação...
De cada onda violenta que a vida despeja um desaguar de versos cai no papel; e quando tentamos navegar em suas verdades colhemos os frutos do momento em seus diversos paladares, e em tantas vontades sufocantes e intermináveis ideais famintos alimentando cada sonho que flutua sorridente e segue adiante fazendo o seu vôo.  Jogamo-nos no mar, em sua espuma de pensamentos, deixamo-nos banhar com suas águas de conhecimento e confusão, afogamos em seus mistérios e bebemos suas loucuras em goles de procuras incansáveis; jogamos-nos no ar e planamos sorrateiros como aves despreocupadas que constroem os seus ninhos e tateiam os seus sonhos procurando as chaves, querendo abrir todas as portas antes da próxima tempestade se iniciar...
As coisas se moldam quando se tem que seguir os corredores transparentes em suas avenidas agitadas escrevendo outras linhas para encarar o mundo e suas inúmeras variações de cenários, de sentidos, de sensações; eu acreditei uma vez, foi  quando aquele fruto tão doce e cheio de veneno, que aqueceu nossas mentes e incendiou nossas almas foi mais uma vez mordido, esse fruto antigo pouco colhido e muito apreciado, não pode ser vendido e nem comprado; então assim as lágrimas secaram e viraram nuvens escuras; as linhas se escrevem e o coração ainda pulsa o tato ainda toca no alto de suas buscas sentindo o latejar de cada sonho que eclode entre uma possibilidade e outra ilusão...
 W. R. C.

sábado, 20 de outubro de 2012



Três caminhos
 
Posso sentir
Os vapores do vinho
Com a noite seguindo,
Quando vem sorrateira
E faz seu convite;
E aqui em nós
Ferve uma chama
Que vai nos embriagando;
Fumaça do incenso
Conduzindo-nos,
Quando não sabemos
Mais para onde ir,
Um estranho caminho
De estradas
E belas paisagens;
Pássaros no céu nos guiando
Em nosso ir e vir...
 
Sentido aguçado;
Distante ouço o som
Da mão a nos chamar,
E vou observando,
E me aproximo
Em seus ouvidos
E sussurro,
Falo de amor,
Vida, morte,
Prosa e poesia,
Nos confins da vaidade,
O álcool e a melodia.
 
Esperaremos o raiar do sol
Na floresta dos amantes
Onde nos tornaremos um,
E iremos ver mais uma vez
Surgir profética a luz do dia,
Radiante a nos consumir
A cada instante,
Nosso calor,
Nosso amor,
Com um toque de magia.
W. R. C.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012



Camilo Pessanha
Portugal:  1867 // 1926
Poeta
 
Lúbrica
 
Quando a vejo, de tarde, na alameda,
Arrastando com ar de antiga fada,
Pela rama da murta despontada,
A saia transparente de alva seda,
E medito no gozo que promete
A sua boca fresca, pequenina,
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete;
Pela mente me passa em nuvem densa
Um tropel infinito de desejos:
Quero, às vezes, sorvê-la, em grandes beijos,
Da luxúria febril na chama intensa...
Desejo, num transporte de gigante,
Estreitá-la de rijo entre meus braços,
Até quase esmagar nesses abraços
A sua carne branca e palpitante;
Como, da Ásia nos bosques tropicais
Apertam, em espiral auriluzente,
Os músculos hercúleos da serpente,
Aos troncos das palmeiras colossais.
Mas, depois, quando o peso do cansaço
A sepulta na morna letargia,
Dormitando, repousa, todo o dia,
À sombra da palmeira, o corpo lasso.
 
Assim, quisera eu, exausto, quando,
No delírio da gula todo absorto,
Me prostasse, embriagado, semimorto,
O vapor do prazer em sono brando;
Entrever, sobre fundo esvaecido,
Dos fantasmas da febre o incerto mar,
Mas sempre sob o azul do seu olhar,
Aspirando o frescor do seu vestido,
Como os ébrios chineses, delirantes,
Respiram, a dormir, o fumo quieto,
Que o seu longo cachimbo predileto
No ambiente espalhava pouco antes...
Se me lembra, porém, que essa doçura,
Efeito da inocência em que anda envolta,
Me foge, como um sonho, ou nuvem solta,
Ao ferir-lhe um só beijo a face pura;
Que há de dissipar-se no momento
Em que eu tentar correr para abraçá-la,
Miragem inconstante, que resvala
No horizonte do louco pensamento;
Quero admirá-la, então, tranqüilamente,
Em feliz apatia, de olhos fitos,
Como admiro o matiz dos passaritos,
Temendo que o ruído os afugente;
Para assim conservar-lhe a graça imensa,
E ver outros mordidos por desejos
De sorver sua carne, em grandes beijos,
 
Da luxúria febril na chama intensa...
Mas não posso contar: nada há que exceda
A nuvem de desejos que me esmaga,
Quando a vejo, da tarde à sombra vaga,
Passeando sozinha na alameda...
 
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Essa canção
 
Que toca em meus pensamentos enquanto transitam por lugares diversos, planejando cenários complexos, colhendo verdades pendentes, pois ainda não sei como soprar adiante esses ecos sonoros de um querer ainda calado; esse rosto que me observa; essa melodia que me dilacera o peito aberto em contemplação. As dúvidas enegrecem minhas horas enquanto traços minhas metas, risco meus sussurros em telas virtuais; essas linhas em que componho, partes de minha essência, partículas de muitas vontades, canção de novidades...
Meus passos têm o peso de mil eras, min'alma tem o fogo de apenas um clamor, esse que se encontra do outro lado das notas sonoras se propagando em canto, levando desejos com os ventos em direção a você enquanto a canção se faz viva; agora, meu coração bate devagar e ainda espera, pulsando suas notas e sua cor, querendo reinventar o que viveu, no verbo escrito, em atos moldados, em beijos colhidos, em noites compartilhadas.
Esse nó que tenho em minha garganta quando o canto sai abafado, esse grito que ecoa pelo céu cinzento fazendo menção do que em sonho tem escutado; essa busca que tanto grita, é tanta sede, tanta, são meus pensamentos que tem me levado, nessas horas em que espero a canção fazer sua curva, soltar suas buscas aos quatro cantos em quatro cantos em vozes musicais.
Essa música nunca terá fim enquanto a derradeira melodia ainda pulsar; toca bem alto pra mim, pra você, nota por nota em linhas se faz, sentimento e sons nessa canção se vai; tateando sentidos e sensações, esperando notícias que o tempo nos traz nas asas das horas que se transformam...
 
W. R. C.

domingo, 14 de outubro de 2012



 
Espero
 
Você surge sempre sorrindo,
Iluminando minhas noites
Com cores douradas,
Mas quando sua barca
Segue a estrada,
As luzes brilhantes
Vão sumindo.
 
Sozinhos, sombras
Surgem em sonhos,
Seu rosto distante
E oculto de mim,
A realidade é essa,
É assim,
Só o tempo abrirá
Uma passagem.
 
Algumas almas
Ainda almejam
Encontrar um amor puro
E perfeito,
Mas a procura é incerta
Não tem jeito,
O amanhã é nebuloso,
As pedras que jogamos
Voltam.
 
Ainda espero
Por aqui parado,
Você abrir suas portas
E eu as minhas,
O tempo escrever
Suas precisas linhas:
E por hora,
Espero em silêncio,
Espero calado.
W. R. C.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

 
 
Jogos de sentidos
 
Cada segundo contem
Uma partícula
Preciosa de procura,
Um átomo brilhante
De vontade,
Que após minutos, horas,
Agiganta-se e se espalha
Com os vapores
Que sobem silenciosos.
São meus pensamentos
Ou meus sonhos
Que chamam
Por um nome,
É minha realidade
Ou meus devaneios
Que tanto quer?
Sou eu,
Essa sede,
Essa fome,
Sou seu;
 É essa chama
Que me consome.
Tenho a febre
Dos que sonham
E os olhos
Dos que enxergam alem...
Sentado no deserto
De minhas loucuras sóbrias,
Vi uma única rosa
De beleza indescritível,
Senti seu perfume
Olhei ao redor
Escolhi minhas cartas
Aqui em meu coração,
No calor de meus sentidos
E iniciei o jogo...
W. R. C.


terça-feira, 9 de outubro de 2012



O Meu Soneto
 
Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mãos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos...
 
E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristíssimos, extáticos,
São letras de poemas nunca lidos...
 
As magnólias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros...
 
E a minha boca, a rútila manhã,
Na Via Láctea, lírica, pagã,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..
 
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"