terça-feira, 26 de junho de 2012



A curva do vento



O vento faz

Sua derradeira curva,

O verbo solta

Suas palavras

E sopra suas verdades

Aos ouvidos

Dos que ainda

Estão atentos,

O tique e taque

Do tempo sem culpa,

À noite e seus relatos

Em aglomerados

De fatos e nuvens,

A vida a se escrever;

Suas linhas soam suaves

Em reflexos e versos

Enquanto se pode entender:

Falam das estações

Que estão sem respostas

E dos jardins

De poucas cores

Que querem sorrir novamente

Enquanto brotam

Suas novidades...

Agora mais uma vez

Contam-se os segredos

Desprendidos do passado

Em brisas quentes

Do presente

E cada um de seus aliados;

Chove as lagrimas deste dia

Em seu pranto de quereres,

Um querer sem se cansar;

Sabe-se que as linhas

Ainda irão se escrever

E a embarcação seguirá o mar

Com este mesmo vento

Em suas velas

Em direção ao amanhã

E cada um de seus papéis,

Que sairá

Do livro de cores fortes

 Em seus traços

De gritos altos

E serão riscadas

Nos papéis da vida

E pintadas

Em muitos quadros

Expostos na galeria do tempo,

Em cada uma

De suas estadias;

Distantes das dores

E agonias escritas

Entre o agora e o depois

Dia após dia...

 

W. R. C.



sexta-feira, 22 de junho de 2012



Desejo

Inflama
Em minhas entranhas,
Como a chama ardente
De mil vulcões,
Rasgando minha pele
Como fera selvagem,
Rompendo sentimentos
Como negro véu,
Dilacerando meus sentidos
Sem piedade,
Abrindo as portas da mente,
Escancarando o peito nu.

Quero
Segurar o tempo
Em minhas mãos e pará-lo,
Ser o guardião
De seus infinitos
Grãos de areia;
Construir uma ponte,
Seguir os meus passos,
Mergulhar nas profundezas
De todas as sensações;
Moldar as paixões
Em obras de arte,
Lapidar com cuidado
Corações
Em pedras preciosas...

Quero
Desvendar suavemente
Os mistérios sombrios
De seu ser,
Ver em uma esfera reluzente
Cada cor, cada brilho, tudo...
Abrir as portas
E romper as correntes;
Mesmo que a distância
Este carrasco impiedoso
Venha com sua lança
Afiada e mortífera,
Rasgar o véu transcendente...

Soltarei gritos 
Pela noite fria enfim,
Que ecoarão perdidos
No firmamento;
E do alto de cada procura
Como canto de ave noturna
Clamando por um nome
Aquecendo nossas carnes
Por toda madrugada...

No badalar da meia noite
Estarei mais uma vez, 
Entre os devaneios,
Suas formas diversas
E cada desejo profundo;
No branco de seu leito,
No intimo de sua pele,
Matando a sede de um beijo,
Até que me embriague
Com os vapores da noite,
Com toda essa luxúria...

E alimentando devagar:
Beijo a beijo,
Toque a toque,
Permitindo que o tempo
Escreva outra linha
De nós dois;
Suprindo na medida
Que mede
Nossos corpos nus
A fome insaciável
Que é meu desejo!...

W. R. C.
 


terça-feira, 19 de junho de 2012



A Nossa Vitória de cada Dia


 Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceitado o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que fossem armadilhas. Não nos temos entregado a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerada uma gafe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.  

Clarice Lispector, in 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres'

segunda-feira, 18 de junho de 2012



De asas abertas

O tempo
Contou outra história,
Escreveu suas falas,
Abriu outra pagina
E as folhas do outono
Já contaram suas novidades;
Finalmente luz,
Uma chama ardente,
Um fogo feroz,
Abra as janelas,
Seus olhos,
Sua mente...
Finalmente
Liberdade para fugir,
Para longe da culpa,
De suas sombras
E seus vícios
E cada promessa
Que se perdeu no caminho
Depois que o vento
Fez sua derradeira curva...
Foi tempo demais
Gasto feito um defunto
Caminhando por aí,
Com olhar distante,
Com dentes pontiagudos,
Faminto de sentidos,
Afogando-se
Em sentimentos sem fim;
Agora a música se renova,
Ecoa distante;
Notas precisas a se compor,
Um coração,
Um palpitar gritante
E muitos pensamentos...
Finalmente
Podem-se abrir as asas,
E planar no céu sorrateiro
Como ave despreocupada,
Observando
Tudo do alto,
Absorvendo
Muito dos sentimentos;
Chega de lágrimas,
Chega de lutas sangrentas,
Cada um é livre
Para tomar seu caminho,
Fora do labirinto,
Dentro de qualquer realidade
No tempo que se escreve,
Na vida que se forma,
Na melodia que se vive
Depois daquelas páginas
Que foram rasgadas,
Revelando segredos,
Ocultando verdades
Que guardamos
No caminho...
W. R. C.

sexta-feira, 15 de junho de 2012



Beleza Adormecida



Distante agora repousa

Em seu leito

De dias que se foram

E todos os desejos que ficaram

Entrelaçados no fundo do peito;

Perdidos entre

O ultimo beijo ardente

E o coração

Que agora está calado.


Em meio

Ao tempo que passou

Descansa,

Em seu lugar

De encanto e beleza,

Sonhos suaves

Em vários de meus sonhos

Com aves voando ao redor

De minha agitada cabeça

E eu a observá-la.


Foram tantos dias

Que passaram,

É tanta coisa que ficou

Guardada no fundo

Dos sentidos,

Escrita suave

Contida no intimo d’alma,

Rosa engaiolada

Em meu amor.


Aquela porta nunca se fechou

Depois que

Uma vez me fez sorrir

E sentir tudo aquilo que gritou

Em vozes silenciosas

Dentro de mim...


Agora enquanto estou aqui

Velando sonhos

E os segredos do amanhã,

Vou construindo um caminho

E virando outra página,

Rabiscando um destino

No labirinto de vidro

Continuando minha caminhada...

W. R. C.

quarta-feira, 13 de junho de 2012



Sou Eu

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
Sou eu mesmo, que remédio! ...

Álvaro de Campos
Fernando Pessoa

terça-feira, 12 de junho de 2012


Perguntas Inquietantes V

Os mestres dos fantoches
Podem ter o domínio
Em dedos escorregadios
A controlar a mente de alguém?

Irá esta força iludir temporariamente
Entre as luzes ofuscantes
Do presente sem culpa
Ou aumentar a loucura que a cega?

Então as fronteiras
De nossa imaginação
Elas se tornarão indistintas
E irão perdendo a consistência
Para desaparecer no ar rarefeito,
Pouco a pouco?

Podemos também
Ser assim tão fortes
De asas abertas,
De mentes abertas
Para resistir às tempestades
Quando o livro vai se escrevendo
Depois que o fruto proibido
Já fora mordido?

Você conhece
A verdade que se esconde
Entre os dentes do destino
Quando mastigam as vontades
E as portas flamejantes
Que querem se abrir no amanhã?

Você sabe quantos dias faltam
Para amanhecer antes que a noite
Conte seus segredos
E os vapores do outono
Comecem a subir?

Então a fé tem raízes
Na imaginação 
Ou se solidifica
Em momentos distintos?
Quem está certo agora
Na rígida e infinita
Luta pela revelação?

Somos parte de um todo
Ou tudo de um nada
Quando construímos sonhos
Coloridos em cenários
De cores opacas,
As cores podem permanecer?

W. R. C.