quinta-feira, 26 de maio de 2011

Verdade Para o Amanhã





Verdade Para o Amanhã


Meus olhos são como chamas no escuro,
Meu sentimentos são como folhas voando no ar,
Quando o vento bate soprando em todo lugar,
Uma mistura do puro e do impuro.

Estações que se repetem, profundo vazio,
Eu não posso continuar vivendo neste vale triste,
Colhendo flores secas nesse solo que resiste
Ao fogo dos pensamentos e o sentimento que se torna frio.

Então eu apenas rezo para ter força suficiente,
Para ser uma corrente dirigindo o curso fluindo até a fonte,
Atravessar de uma vez por todas essa ponte,
Expandir os horizontes de minha mente...

Mas o meu amor é pela única luz,
Meu espírito segue para além do horizonte;
Sonhos e desejos de tudo aquilo que eu cante,
Se espalha no firmamento e ao futuro se conduz.

Mas o meu coração continua suportando
Os ventos que sopraram outrora
Estas páginas que se escrevem agora,
E meus dias que vão se arrastando.

Se eu conseguir fugir de meus pensamentos arrependidos,
Se eu conseguir encontrar novamente aquela estrada,
Onde poderei erguer mais uma vez minha morada,
E me despedir de todos os meus tormentos.

E fugir destas fontes de lamentos
Que fluem velozmente trazendo lembranças,
Frutos de minhas paixões e minhas andanças,
E os sussurros que foram massacrados pelo tempo.

Como os rios correndo ladeira abaixo,
Ao menos para ser livre quando eu vejo,
Colher nos campos floridos os doces beijos,
Ver onde realmente eu me encaixo.


Os amantes que podem sonhar
Com doces fantasias que nunca serão uma verdade,
Pois se perdem na incompreensão de nossa realidade,
Pelas estradas distorcidas que temos que andar.

Ninguém pode viver duas vezes em apenas uma vez,
Ou construir castelos de sentidos perpétuos,
Sonhos que desaparecem em meio ao vácuo
De memórias, paixões e insensatez.

Tampouco pode dar amor duas vezes em seu início,
Ou colher flores antes de seus espinhos,
Mesclar sem medo dois caminhos,
Se livras de todos os vícios.

Mas não podemos impedir o sentimento de se render ao amor,
Então eu me sinto prisioneiro do pecado,
Enclausurado em um quarto escuro eu fico calado,
Observando os desenhos que saem de minha dor.

Escravo de minhas vontades, de minha saudade,
Quando eu dou para a terra a minha pele, meu coração,
Fragmentos rabiscados de minha solidão,
E mesmo rodeado de tantos, não encontro verdades.

E minha alma libero para o vento
Mas o meu amor continua a observar a noite,
Escravo das paixões e seus açoites,
Perdido sem direção entre os sonhos que tanto tento.

Sentindo o perfume dessa rosa que se foi,
E o fogo que ainda não se extinguiu,
Relembrando os aromas que um dia existiu,
Sentindo no peito esse espinho que ainda dói.

Mas o meu coração clama pela luta eterna, eu já posso ver
Batalhas sangrentas de emoções diversas,
Procuras intermináveis, varias promessas,
Ventos que sopram forte esperando pelo amanhecer.


W. R. C.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Devorador de seres, Devorador de sonhos






Devorador de seres
Devorador de sonhos



De frente para mim com sua boca sanguinolenta,
Faminto devorador de sonhos,de lembranças;
Devorador de seres e seus sentidos,
Carniceiro voraz, caçador implacável;
Corpo de tigre, cabeça de homem, rabo de escorpião...

Reside nas profundesas da consciência,
No intimo de cada ser, oculto, discreto,
No âmago de quase todos os sonhos,
Sempre pronto a distorcer,
A reverter qualquer possibilidade de existência.

Entre sombras e sussurros perdidos
Se alimenta, se sacia, se propaga,
Com toda a dor e perdição humana,
Sorvendo com voracidade
A intima substância dos sentimentos.

Deitado sobre uma pilha de ossos,
De todos os amores, do presente, do passado;
Obstrui a grande porta do futuro,
Quase tudo que pode se construir,
Causando a obnubilação do pensamento.

As horas passam, a alma fica cansada,
Saudade e sensações vão se evaporando,
Com o arrastar melindroso de memórias
E soluços compulsivos que ecoam no ar...

Todo sopro de vida que o vento levou,
Todo toque e beijo apagado pelo tempo,
Os altares erguidos e derrubados,
As linhas que ficaram no papel...

Não se pode permitir o obscurantismo total,
Tudo que existiu tem que ser guardado,
Arquivado nas entranhas de cada ser,
Na esperança de que possa vir a existir novamente.


W. R. C.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Banquete dos Pássaros





Banquete dos Pássaros



Sou eu ou são os dias que ficaram assim? Um ar frio, uma cortina cinzenta que cobre os olhos, essa poeira lenvantada por pés apressados, a fome que corrói cada ser, a sede que nunca se acaba, nossas veias cheias de sonhos, nosso peito cheio de paixões incompletas, nossas mentes repletas de procuras intermináveis e pensamentos inesgotáveis; a saudade que desenha cenários enegrecidos repletos de vultos, de vozes , vento que sopra promessas, que leva e que trás procuras, amores, vontades: Saudade de que, saudade de quem? Vontade de que, vontade para quem? Amores? O mundo vive assassinando seus amores...
Vejo um homen alimentar os pássaros todos os dias, quase sempre no mesmo horário: como São Francisco de Assis gostava de fazer; varias aves de diverssos tamanhos se juntam ao bando em seu banquete matinal e despreocupado; o mundo girando veloz e cada um colhendo migalhas no chão da praça, pequenos pedaços de ilusão...
Toda manhã o mesmo rosto diante do espelho, modificando-se devagar com o passar do tempo, com as rotinas; a xícara de café, a água do chuveiro, os pensamentos que vão se organizando lentamente, depois um ônibus cheio de olhares, as ruas cheias de janelas, os seres em sua eterna busca; a praça, o mesmo banco enquanto se espera, vozes e silhuetas que passam para todos os lados, caminhos que se cruzam, que se perdem, vitórias, derrotas, o ir e vir de todas as coisas; e os pássaros já estão lá comendo felizes.
Todos os dias os corações cheio de sonhos, e novamente o despejar do tempo que corre, sem esperar ninguém, levando algumas coisas embora, trazendo outras nas asas do vento, nas curvas de uma esquina; o nascimento de sonhos diversos, a morte de habitos ultrapassados, o surgimento de novos conceitos, construção de varios sentimentos, o palco vazio e iluminado esperando por nós. E os pássaros ?
Olhando pelo buraco da fechadura em uma rua qualquer, relembrando dias que se foram, cada hora pingada conduzindo a um entardecer dourado, o virar das páginas escritas, o digerir dos fatos que se se seguem; são os passos dos seres humanos apressados, seguindo seu curso, neste rio enegrecido de asfalto e concreto, com suas carruagens de metal, fantasias e máscaras de cada dia; somos nós reescrevendo os dias que são tão parecidos, tentando pintar novas cores, degustar novos sabores, sentir diversos odores, lançar sementes e esperar seus brotos, seus frutos; rompendo círculos que se arrastavam por dias, meses e anos.
Felizes são os pássaros que tem o céu como quintal, a natureza como jardim, as praças como sala de estar, as estações como conselheiras, sol e chuva como irmãos; felizes são os palhaços no picadeiro, se desdobrando para agradar a platéia, pintam seus rostos para que ninguém veja suas cicatrizes, cantam suas músicas enquanto andam na corda bamba; fazem malabarismo com moedas de pouco valor, mês após mês; mas poucos sabem que quando as cortinas se fecham removerão suas máscaras com papéis e lágrimas, sentindo o peso de cada dia que se passa, pensando em cada gargalhada alheia que não pode compartilhar, ou em outros palhaços que estão em cima do muro, embaixo da ponte, ou estirados em um caixão; e estão por toda parte, no mercado, nos prédios e nas casas, em uma avenida qualquer; alguns ainda coloridos, outros desbotados, com sorrisos amarelados, outros desdentados e sem nenhum motivo aparente para sorrir.
Sou eu ou são os dias que ficaram assim?
Agora é cada um com suas armas, com suas mãos cheias ou vazias, com seus dardos e suas setas apontadas para os alvos, observando os pássaros, seguindo os dias que se escrevem, abrindo e fechando portas, abrindo e fechando mentes, corações, bocas, olhos, covas...
Agora somos nós em um entardecer de sentimentos, na velocidade do mundo, no ritmo de cada era, não é fácil dizer o que se sente e ver que não acreditam, jogar migalhas aos pássaros e ver que eles não se alimentam. Agir de forma errada põem tudo a perder, um passo em uma direção oposta atrasa todo o percurso, uma mente cheia de medo gera erros, cria fantasmas, pesadelos, mesmo quando se tenta ser o que completa a outra parte, o encaixe perfeito no quebra cabeça, a mão que arranca as ervas daninhas. Não discordo que os dias são corridos, que todos procuram se encontrar em meio a multidão, ou apenas encontrar alguém nessa multidão; as vezes só o silêncio nos conforta, entre esse abismo que se agiganta mais, pensamentos que se expandem e voam distantes, corações que se comprimem apertado em saudade, e a alma anoitecendo novamente. Neste mundo uma fenda enegrecida se abriu, horas que tem o peso de nossa consciência, olhos que tem o fogo da paixão, que evapora dia após dia, corações cheios de lastimas, bolsos cheios de dividas, a realidade dos que estão lá fora tentando seguir a maré, se afogando, nadando e morrendo na praia. A esperança é a ultima que morre: dizem por ai; alguns ainda acreditam...
As lembranças vem carregadas de pesar, passos que vacilam em solo firme, lágrimas que brilham no escuro, o bater dos corações em ritmo de mudanças, a vontade de ter feito tudo de forma certa em mínimos detalhes, com grandes sentimentos, moldando do barro das emoções o inicio de uma nova jornada .
Felizes são os pássaros pois eles sabem voar...




W. R. C




quinta-feira, 19 de maio de 2011

Arthur Schopenhauer





Arthur Schopenhauer
Alemanha: 1788 // 1860
Filósofo

O Efeito do Tempo e a Mutabilidade das Coisas

Deveríamos ter sempre diante dos olhos o efeito do tempo e a mutabilidade das coisas, por conseguinte, em tudo o que acontece no momento presente, imaginar de imediato o contrário, portanto, evocar vivamente a infelicidade na felicidade, a inimizade na amizade, o clima ruim no bom, o ódio no amor, a traição e o arrependimento na confiança e na franqueza e vice-versa. Isso seria uma fonte inesgotável de verdadeira prudência para o mundo, na medida em que permaneceríamos sempre precavidos e não seríamos enganados tão facilmente. Na maioria das vezes, teríamos apenas antecipado a acção do tempo. Talvez para nenhum tipo de conhecimento a experiência seja tão imprescindível quanto na avaliação justa da inconstância e mudança das coisas. Ora, como cada estado, pelo tempo da sua duração, existe necessariamente e, portanto, com pleno direito, cada ano, cada mês, cada dia parecem querer conservar o direito de existir por toda a eternidade. Mas nada conserva esse direito, e só a mudança é permanente.Prudente é quem não é enganado pela estabilidade aparente das coisas e, ainda, antevê a direcção que a mudança tomará. Por outro lado, o que via de regra faz os homens tomarem o estado provisório das coisas ou a direcção do seu curso como permamente é o facto de terem os efeitos diante dos olhos, sem todavia entender as suas causas. Mas são estas que trazem o germe das mudanças futuras, enquanto os efeitos, únicos existentes para os olhos, nada contêm de parecido. Os homens apegam-se aos efeitos e pressupõem que as causas desconhecidas, que foram capazes de produzi-los, também estão na condição de mantê-los. Nesse caso, quando erram, têm a vantagem de fazê-lo sempre em uníssono. Sendo assim, a calamidade que, em decorrência desse erro, acaba por atingi-los, é sempre universal, enquanto a cabeça pensante, caso erre, ainda permanece sozinha. Diga-se de passagem que temos aqui uma confirmação do meu princípio de que o erro nasce sempre de uma conclusão da consequência para o fundamento.


Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'

terça-feira, 17 de maio de 2011

O Grande Luar




O grande Luar


Seguindo em direção ao entardecer,
Se despedindo do astro solar,
De mais um dia que se vai,
Convite ao anoitecer,
Aos reflexos dourados da lua cheia,
Purificando sentidos e pensamentos,
Buscando os ninhos das civilizações mais puras
É a canção de ninar do leito dos anjos,
Cantada tão suavemente com os astros,
Onde os sonhos brotam reluzentes,
Banhados na ferrugem da lua...
Onde caminhos se constroem,
E velhos altares se destroem,
Refletidos na luz do luar...
Corra livre por mais uma noite,
Corra livre por mais uma vez,
Pelos campos verdejantes e floridos,
De novidades e procuras,
Em estradas prateadas;
É a chama que acena aos homens,
São os passos que se apressam,
Um lapso de memória, um devaneio,
Nas florestas de caminhos distintos,
Entre flores e espinhos pontiagudos;
É a visão do fogo que
Os olhos buscam após o por do sol...
Gritos que ecoam, palavras perdidas,
O sumo, a seiva da vida,
São lembranças, são saudades, é o acaso;
Com a respiração ofegante,
Um coração em ritmo constante,
E flutuantes pensamentos
Em direção ao grande luar...
E a floresta sussurra seu canto majestoso,
Folhas que dançam sob a luz prateada,
Preces que sobem em direção ao firmamento,
Levadas pelo vento, levando meu lamento,
Escutado pelos amantes escondidos,
Entoando cânticos e mudos gritos,
Uma oração a lua cheia e nada mais.
Na imensidão celeste ela reside,
Entre pensamentos e flores de neon,
Sobre as correntezas negras do riacho,
E o sangue rubro que corre nas veias,
Saudade, loucura e embriagues,
Um gole de vinho... Um gole de vida...
O pão sobre a mesa... A porta e o caminho...
Fumaça do incenso e sussurros perdidos...
Enfeitiçado por suas luzes de fogo,
Em meio à selva de pedras;
Um coração a palpitar, um sentimento,
Os sonhos da ultima noite,
Sorriso bobo rosto...
Gemidos levados pelo tempo...
Silencioso sob a luz do grande luar...



W. R. C.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Hoje Eu Quero



Hoje eu quero



Hoje eu quero o silêncio e a reflexão,
As horas pingadas,
A companhia de meus pensamentos;
Contemplar o céu, meu jardim,
Minhas memórias, minhas lágrimas.

O arrastar do presente e seus medos,
Transbordar de sentimentos,
Cada qual com suas vozes, suas cores,
Se espalhando no imenso azul celeste,
Suave melodia...

Hoje eu quero caminhar sem destino,
Por ruas cinzentas, esquinas sombrias,
Levando meus sonhos e desejos;
Entre corredores transparentes
E rostos distraídos.

Com passos lentos em ruas extensas,
Sentindo o cheiro do entardecer e seus mistérios,
Buscando respostas, fazendo perguntas,
Lançando sementes, colhendo dúvidas,
Correndo da saudade...

Hoje eu quero arquivar minhas lembranças
No mais fundo de meu peito,
Tudo que me fez tão feliz;
Esse fogo que ainda arde em mim
E que ecoa tão reluzente,

Chama voraz e faminta,
Carrasco de meus dias de solidão,
Aniquila minha paz quando grita,
Devora meu coração,
Enegrece minha alma...

Hoje eu quero silenciar o pranto,
Assassinar essa dor gritante,
Remover todas as pedras,
Deixar queimar esse fogo em meus olhos...

Seguir assim pelo labirinto da vida,
Cruzar a encruzilhada sem medo,
Passo por passo, sonho por sonho,
E quem sabe recriar dias coloridos.

Hoje eu quero seguir adiante,
Incendiar todas minhas vontades,
Deixar o passado bem guardado
E ir em direção ao futuro que me espera...

Mas sem me esquecer de todas as flores,
Que brotaram em meus jardins,
E mesmo as que parecem que já morreram
Deixaram espinhos cravados em mim.


W. R. C.


domingo, 15 de maio de 2011

Anais Nin







Anais Nin:
Estados Unidos: 1903 // 1977


Tornamo-nos Mais Objectivos Depois de Reconhecermos a Nossa Subjectividade

Toda a arte da psicologia ou da ciência da psicologia, se lhe quisermos chamar assim, é baseada numa inversão do processo de objectividade. Não que não possamos tornar-nos objectivos, mas que apenas possamos tornar-nos objectivos depois de termos confrontado as nossas atitudes não objectivas, as nossas atitudes não racionais. Atingir uma objectividade honesta significa termos de saber quais os pontos da nossa natureza que são propensos a determinado preconceito, que parte de nós é defensiva, que parte de nós distorce o que ouvimos. E é necessária uma tremenda auto-honestidade para começar a remover essas distorções e a clarificar a nossa visão. De modo que só podemos atingir a objectividade depois de termos descoberto quais as áreas da nossa psique que não são objectivas.Além disso, o reconhecimento básico da psicologia é que, lá bem no íntimo, a maior parte da nossa vida é desconhecida da mente consciente e que, quanto mais nos tornamos consciente dela, mais honestos e mais objectivos nos podemos tornar. Nós não vemos os outros com clareza, e o que obscurece a nossa visão são os preconceitos que a pessoa supostamente objectiva se recusa a reconhecer. Uma pessoa objectiva diria que não é responsável pela guerra, mas uma pessoa que sabe psicologia sabe que cada um de nós é responsável porque cada um de nós tem sempre uma área de hostilidade, que depois é projectada para hostilidades colectivas mais vastas.

Anais Nin, in "Fala Uma Mulher"


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Areias do Tempo






Areias do tempo


Mais uma vez surge,
Pensamento como fumaça
Nebulosa e cinzenta,
Sobe em direção ao céu,
Em espiral de aromas e sensações,
Um cavalgar de lágrimas sobre o queixo rumo a selva,
Um soluçar de sonhos de volta ao colo da serpente,
Nos dentes pontiagudos do silêncio,
Entre folhas e espinhos onde outrora já foi meu lar;
E as garras afiadas da saudade
Onde construí castelos de lembranças
E plantei flores de sentidos,
Lá se encontram os frutos de todos os amores.
Entre minhas visões e a sede constante,
O dilacerar impiedoso dos corações
E as estações de cores cintilantes,
Procuro a chuva dos meses passados,
E as curvas onde antes me perdia,
Que nos sonhos vem se seguindo,
E vão desaparecendo, se distanciando,
Me devorando... Me consumindo...
Não sei o que se passa,
Mas evapora rapidamente,
Ali não há mais gota alguma
Que possa germinar novamente,
O silêncio e a distância cumpriram seu papel,
Os campos parecem ter adormecido...
Ventos que sopram em direções opostas:
Deixe-me cavalgar as lágrimas,
O que restou aqui, o que pode ter ai,
Sobre nuvens sem sorte, por terras sem fim,
Entre as folhas vermelhas e os ninhos cinzentos
Onde o grande pássaro esconde a cabeça
Suavemente de volta ao seu esconderijo;
Entre os pensamentos e os sinos que tocam,
Borboletas transparentes e vespas azuis,
Procuro a areia dos meses passados,
Grão por grão, cada perfume que se perdeu,
Mas sei que fora levado pelo tempo,
O doce beijo colhido nas esquinas
O palpitar que se calou de repente.
Mas ali não há mais areia alguma,
Impiedoso foi o vento que soprou para longe,
Saudade que se esconde como um inseto,
Sorrateira na noite se aproxima,
Durante o sono você não percebe
Que ela está te picando,
Espalhando sua peçonha por seu corpo,
Deixando em seu coração seu veneno.
Com sorte chego a lugar nenhum,
Talvez volte ao fundo do abismo,
Ou cultive sussurros pela noite enfim,
Memórias dançarinas, palavras que se vão,
Desenhando na areia, escrevendo nas estrelas,
Deixando pegadas na existência,
Versos empoeirados, sonhos guardados;
As areias do tempo cobrirão os meus rastos.



W. R. C.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Amores Engarrafados





Amores Engarrafados


Meus pensamentos vagam distantes
Por lugares onde realmente gostaria de estar,
O arrastar das horas agonizantes, vazias,
Um mar imenso de sentimentos pesarosos,
Lacuna aberta no fundo do peito,
Silêncio que ecoa pelo jardim cinzento.

Olhos em chamas, reflexos d'alma,
Saudade flutuante que volta para casa,
Colhendo frutos amargos,
Entre os campos secos,
Sozinha... Calada... Escura...

Portas vermelhas e caminhos azuis,
Estradas cintilantes e cheiro do amanhã,
Se propagando em sussurros engarrafados,
Palavras trançadas, vontades em espera,
Um pequeno gole e nada mais...

Inúmeros cenários em cada amanhecer,
Possibilidades diversas, caminhos distintos;
O coração dita o ritmo dos sentimentos,
A bomba cardíaca a mercê do acaso,
De cada porta que se abre, que se fecha,
E aquelas que gostariamos de entrar novamente.

As fores despejam seu pólem no ar,
A natureza está lá fora, nos seres, nos homens,
Repleta de vida, escondendo a morte,
Sonhos se formam de pequenas partículas,
Pedaços de mim que se juntam novamente...

Folhas secas caem diariamente, amareladas,
Se escrevem por linhas tortas,
Em aglomerados de sentimentos,
Por dias, por messes, por anos,
Se iniciam e acabam de repente...

Uma página sem letras: cheia de pontos,
Um quadro sem tinta: cheio de vultos,
Esquinas iluminadas: um amante sozinho;
Amor engarrafado, empoeirado,
Em garrafas com tampas de chumbo,
E ninguém mais quer abri-las.

Amores velhos e perdidos,
Cheio de datas e conservantes,
Esquecidos em uma prateleira qualquer,
Repletos de arrependimentos,
Destruidos pelo mofo, pelo tempo,

Perdido entre a sede de consumo,
A fome de progresso,
A saudade e seu retrocesso,
A ferrugem de seus cantos
E os sentimentos que perecem...

Sentidos embutidos, enclausurados, comprimidos,
Que perdem sua validade antes da primavera,
Desejos corroídos, amores desgastados,
Guardados e esquecidos,
Em um canto sujo jogado... Assim...
Assim são todos os amores engarrafados.


W. R. C.



segunda-feira, 9 de maio de 2011

Todos Temos Duas Almas





Todos Temos Duas Almas

Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. (...) Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma...
- Não?
- Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma exterior de César e de Cromwell. São almas enérgicas e exclusivas; mas há outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há cavalheiros, por exemplo, cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tarde uma provedoria de irmandade, suponhamos.

Machado de Assis, in "O Espelho"

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Páginas viradas





Páginas viradas


A imagem refletida no velho espelho
Está distorcida e embaçada,
Nos olhos posso ver claramente
Sentimentos que se comprimem em meu ser
Pronto a explodirem,
Manchando tudo ao redor
De cor rubra de lembranças e desejos cativos...

O tempo que parece sempre parar,
Minutos e segundos em um gotejar
De lembranças e preces perdidas,
Voz que ecoa por corredores frios,
Lágrimas que escorrem pelos cantos,
Dissolvendo ilusões, irrigando sensações,
São as melodias melancólicas de cada dia,
Escritas, talhadas n'alma,
Páginas viradas que quase nunca
Tem um final feliz.

Vão se escrevendo em folhas desordenadas:
O passado e fragmentos do presente,
Desejos e vontades gritantes,
Procura do que não se sabe ao certo,
O ir e vir nesse labirinto transparente,
Intermináveis sonhos cinzentos...

Vão se perdendo pelo escuro:
A infância e o medo da morte,
Sussurros de amores levados pelo vento,
Saudade dos que partiram sem dizer adeus,
Que deixarão flores esparramadas pelo chão,
Visão do desconhecido futuro...

Mais uma página virada,
Inevitável destino,
Construção de mais um capitulo,
O livro sagrado;
Mascaras que vão se tornando escuras,
Tragédias, comédias, risos e lágrimas,
Soluços azuis em papéis amarelados...

Já não existe mais beleza no palco,
O palhaço chora enquanto a platéia sorri;
Quando a estrada vai chegando ao fim,
No final sentimos o peso de nossos passos
Que ficaram escritos para traz,
E diante de nossos olhos o eterno leito...
As cortinas vão baixando,
É o fim do espetáculo.


W. R. C.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Sentimentos Ocultos





Sentimentos Ocultos


Se eu pudesse ver o céu acima,
Planar sorrateiro sob nuvens cinzentas,
E a minha mente pudesse se libertar
Como cavalos negros selvagens,
Em galope veloz, que chegam à praia,
Que cavalgam por sonhos e realidade,
Eu ficaria sozinho e vigiaria,
O ponteiro e o relógio,
A lâmpada e suas luzes,
O jardim e suas belezas,
As linhas e seus paragrafos,
O corredor e suas portas...
Devo esconder o que restou de mim,
Ocultar isto que surgiu naquela noite,
Apagar de vez essa chama,
Devo me calar de uma vez por todas?
E se o arbusto diante de mim irromper em fogo,
E suas fagulhas em brasas se espalharem,
E sua fumaça turva subir aos céus;
Deverei desviar meus olhos,
Silenciar o tempo que passou,
E ainda assim poderei ouvir as vozes
Tão claramente quanto a luz do dia?
Eu acreditei em meus sonhos,
Eu plantei flores e só colhi seus espinhos,
Que rasgaram lentamente min'alma,
Nada poderia me fazer mudar de idéia,
Agora eu sei o que eles querem dizer:
Como eu pude ter sido tão cego,
Tão mudo, tão surdo?
Turvas areias do tempo,
Gotas cristalinas da saudade,
Ventos que sopram tão frios quanto o gelo,
Pedaços perdidos de sentimentos,
Sussurros de amores levado pelo vento,
Preces que virão à noite...
Devo esconder o que restou de mim,
Ocultar isto que surgiu naquela noite,
Devo me calar de uma vez por todas?
Eu passei por momentos
Em que ninguém se importava,
Eu vi o céu e o inferno que assolam o homem
Quando tentam construir castelos,
Muitos de areia, muitos de papel,
Calado, gritando sentimentos mudos,
Palavras que se perderam ao acaso,
Sentimentos que evaporam devagar;
Eu tenho nuvens em céus vazios,
Sorrisos em bocas fechadas,
Sentimentos que vão parar no deserto,
Olhos que não veem mais nada...
Quando uma única palavra gentil
Significa mais para mim,
Quando o tempo não mais é meu amigo,
Quando eu fico horas sem dizer nada...
Deve terminar como uma lembrança
Do que todo o amor no Paraíso,
Ou um tormento eterno no mármore infernal?
Eu acreditei em meus sonhos,
Eu cultivei flores no escuro,
Eu colhi maçãs ainda verdes,
Quando fomos aos jardins do Édem.
Nada poderia me fazer mudar de ideia,
Até que eu entendi o que queriam dizer,
As palavras se fragmentarem,
Os caminhos se perderem,
Toda rosa murchar;
Até que ví tudo se avaporar no ar,
Desaparecendo diante de meus olhos,
Nada pode me salvar agora,
Nunca se escrevem duas linhas iguais,
Nada faz voltar o que era antes...
Devo esconder o que restou em mim,
Ocultar isto que surgiu naquela noite,
Devo me calar de uma vez por todas?


W. R. C.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Matemática dos sentidos





Matemática dos sentidos


Se arrastam devagar os ponteiros do relógio,
Fator comum em mais um dia qualquer,
Tempo que insiste parar em um só pensamento,
Pensamento que se perde facilmente,
Produtos notáveis de uma mente em expansão,
Divisor comum de lembranças,
Embaralhar desconexo de sentimentos...

A matemática das emoções diversas,
Soma dos quadrados dos valores,
Subtração da hipotenusa dos sentidos,
Multiplicações e divisões de sensações,
Almas confusas, almas em contraste;
Amor... Ódio... Paixão...
Sangue... Suor e lástimas...
Eu, você... Ontem, hoje e amanhã...

Perdição e devaneios, luxúria e tentação,
Denominadores do desejo, sede de prazer
Cálculos intermináveis de mim e de você.
No entrelaçar de nossos corpos suados,
Equações sem respostas... Fração... Um segundo...
Na imensidão branca de nosso lençol,
Palavras que silenciam em um beijo,
Sistemas que se misturam lentamente
Toques que conduzem ao paraíso...

Abro as portas de minha mente,
Qual é a função de tantos pensamentos,
Por que existem tantas paixões silenciosas?
Por que você não está mais aqui?
Hoje busco a proporção de todas as medidas,
Os denominadores de todas as perguntas;
E a raiz quadrada de meus sonhos,
São o eterno calculo de meus finitos dias.



W. R. C.