quinta-feira, 29 de março de 2012

Nietzsche



Friedrich Wilhelm Nietzsche
Alemanha: 1844 // 1900 Filósofo

O poeta como indicador do caminho do futuro

Enquanto ainda houver entre os homens de hoje excedente de força poética que não é empregada na formação da vida, enquanto esse excedente pudesse, na mesma medida, ser voltado sem dedução a um só objetivo, não talvez para descrever o presente, para evocar e fazer reviver o passado, mas para dar uma indicação ao futuro: _ e isso não deve ser entendido no sentido que o poeta, como um economista imaginativo, deve antecipar em imagens as condições mais favoráveis para o povo e para a sociedade e para a realização dessas condições. Deveria antes, como fizera outrora os artistas com a imagem dos deuses, exercerem sem cessar sua criação na imagem dos homens e adivinhar os casos em que, sem nenhum recato às restrições artificiais diante da realidade, a bela grande alma é ainda possível, casos em que, ainda hoje, essa alma poderia ser apresentada em condições harmônicas e proporcionais, adquirindo as qualidades de duração e protótipo por sua visibilidade e ajudando, por conseguinte, a produzir o futuro, incitando a inveja e o espírito de imitação. As obras desses poetas se distinguiriam pelo fato de que apareceriam isoladas e garantidas contra a atmosfera e o ardor da paixão: o desprezo incorrigível, a destruição de toda lírica humana, as zombarias e o ranger de dentes, e tudo o que há de trágico e de cômico, no sentido antigo e habitual, nas cercanias dessa nova arte, seria considerado como deplorável crescimento arcaico da imagem humana. A força, a bondade, a doçura, a pureza, uma medida involuntária e inata nas pessoas e em suas ações; um solo aplainado que proporciona aos pés o descanso e a alegria; um céu luminoso que se reflete nos rostos e nos acontecimentos; o saber e a arte fundidos numa nova unidade; o espírito que coabita, sem presunção e sem ciúmes, com sua irmã, a alma, e fazendo nascer na oposição a graça da severidade e não a impaciência do desacordo: tudo isso seria o envoltório, o fundo do ouro geral, sobre o qual agora as sutis pinceladas dos ideais encarnados pintariam o verdadeiro quadro _ aquele da sempre crescente dignidade humana. Certos caminhos partem de Goethe para levar a essa poesia do futuro, mas são necessários bons indicadores e , acima de tudo, um poder muito maior daquele que os poetas de hoje possuem, isso é, os representantes inconscientes do semi-animal, da falta de maturidade e de medida que se confunde com a força da natureza.

Nietzsche in Miscelânea de Opiniões e Sentenças

segunda-feira, 26 de março de 2012

Vozes Sussurrantes


Vozes Sussurrantes

E agora eles falam
Sobre o destino,
Constelações nebulosas
De ideais famintos,
Os caminhos a se seguir,
O destino descrevendo seus valores,
Sentimentos a se moldar,
Verdades a se construir;
São vozes sussurrantes,
São ventos de passagem
Por onde temos de passar!
Eu ouço seus passos
Na escuridão,
Quando estão iluminados,
Quando querem iluminar,
A estrela mais brilhante,
O amante e o poeta,
Seus cadernos e seus papeis;
Caminhantes sedentos
Sorrateiros a virar a esquina
Solitários em suas lutas,
Verdadeiros em suas lembranças.
Mas então novamente
Veio o silêncio e seus gestos,
No bailar das horas que pingam,
Os desejos e seus vultos
No rabiscar dos dias
Que se escrevem.
Rostos de pedras
Escondem seus sorrisos,
Flores de plástico
Não tem brilho,
Seu doce perfume
A muito desapareceu,
Corações de papel
Não pulsam mais,
Não levam suas vozes
Aos caminhos desejados.
Agora é hora de mudanças,
Telas brancas a se pintar,
Sementes novas a semear
O jardim de descobertas;
Agora é tempo de conquistas,
Uma rota sem desvios,
Navegação em tempo integral;
O mar espera seus navegadores...
Não são certas
Essas linhas tortas
Rabiscadas neste instante,
Não são simples
Essas falas sussurradas
Despejadas outra vez;
Mais são sinceros essas vontades
Que falam seus quereres
Cantando alguns sonhos,
Contando sentidos,
Soprando vários segredos.
As chamas de olhares sedentos
Brilham ardentes nas trevas
Em dias de algumas recordações
E inúmeros desejos
Que vieram com a chuva
E se foram com os ventos
Para o outro lado
Da cidade e seus enigmas;
Onde o caminhante
Segue seus passos
E vai construindo suas pontes,
Transpondo obstáculos,
Virando outra curva
Seguindo os seus passos,
Sussurrando os seus versos...
W. R. C.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Em Algum Lugar do Tempo




Em algum lugar do tempo:

Porque as estações mudam, mas nós muitas vezes ainda somos os mesmos? Estas buscas tão incertas, mas cheias de surpresas, construções de moradas em lugares diversos, abrigos erguidos no eu e no hoje; sentimentos a bombardear cada partícula de nosso ser, incertezas as nos consumir, vontades arranhando as paredes de nossas entranhas, desejos gritados após o amanhecer, com a voz mais fria de nossos receios, e mesmo assim nos deixa cheios de vontade de tentar. Mesmo apesar do vento frio que sopra, nós estamos queimando como uma chama, corações em brasa, corpos a arder, na floresta do silêncio, explosão de sentidos; queimando com o desejo de que tudo fosse guardado no tempo, cada uma dessas inúmeras ocasiões que valem a pena guardar em suas gavetas de eternidade, para que ecoassem com cada um de nossos passos, que em um virar de uma página, ao estender a mão, em um rabiscar de linhas diárias, respostas fossem surgindo, caminhos fossem se abrindo, pudesse ser como o traço preciso do artista a demonstrar a vida em obra de arte, um cenário alternativo repletos das cores que a natureza quis colorir nesses momentos...
A vida nos faz sentir o tempo e diz que não podemos parar; cada segundo nos movimenta em direção ao amanhã com suas cascatas de sentidos a nos impressionar, em suas curvas e seus desníveis a nos conduzir. O tempo nos faz viver uma história já contada, e nos faz escrever uma inédita e inesperada, o tempo nos faz curar um sentimento interior, um sentimento que está no coração, que roubamos, que moldamos, que queremos curar das dores que vieram antes de tentarmos novamente; do tempo que passou quando perdidos em nosso mar de incertezas quase nos afogamos, na floresta do desespero quase nos perdemos para sempre; e agora é hora de fazer um tempo novo e único com cada voz que vai surgindo e tintas novas a se pintar...
Não quero ser a introdução, nem a conclusão do livro de uma vida, só tento escrever minhas linhas em seus passos, com suas tintas, parágrafos, rabiscos; pois palavras criam existência quando permitimos; mas seria bom ser parte de um capítulo, ou ele por completo, com todos seus pontos e vírgulas, em verso ou em prosa, na selva de pedras ou de vidas! Vamos: me dê sua mão, vamos juntos ver o que pode ter do outro lado das letras e dos sonhos entre o tempo e suas realidades, toda mudança, tudo em conjunto naqueles momentos em que caminharmos lado a lado...
O tempo é muito lento para quem espera, e frio para quem se perdeu no caminho; muito rápido para quem insiste e escorregadio para quem não sabe onde pisar; muito longo para quem sofre entre os espinhos sufocantes e as ervas venenosas das indecisões; muito curto para quem aproveita sem medo cada uma de suas aventuras variadas; mas para quem ama, quem sente, quem busca, quem luta, quem quer, quem tenta, quem grita; o tempo não existe ele se perpetua em um interminável ciclo de renovações diárias, demolições e construções, termino e inicio de páginas e se propaga na existência como um grito infinito de poesia!

W. R. C.

terça-feira, 20 de março de 2012

Fiama Hasse Pais Brandão



Fiama Hasse Pais Brandão
Portugal: 1938 // 2007
Escritora/Poetisa/Dramaturga/Ensaísta/Tradutora

Estrada de Fogo
Pedra a pedra a estrada antiga
Sobe a colina, passa diante
De musgosos muros e desce
Para nenhum sopé;
Encurva, na abstracta encruzilhada;
Apaga-se, na realidade. Morre
Como o rastilho do fogo,
Que de campo em campo aberto
Seguia, e ao bater na mágica cancela
Dobrava a chama, para uma respiração,
E deixava o caminho do portal
Incólume e iniciado.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"

segunda-feira, 19 de março de 2012

O Sonho Não Está Morto


O sonho não está morto
Abra suas asas,
Suba tão alto,
O ponto mais alto para ver
O horizonte e suas portas,
Caia em devaneios,
Em buscas incansáveis,
Um plano de fuga,
Uma outra jornada
E equilíbrio para todos,
Um pequeno pedaço
Nesse imenso mundo,
Um avanço ao futuro
No presente agitado,
A euforia é grande,
Suspiros profundos;
Mais dinheiro ganho,
Mais tempo emprestado,
Um outro pedaço de nós.
O gotejar de planos e metas
Riscado em mapas de vidas,
Partículas montadas,
Fragmentos vividos,
Atirado em um canto,
Exposto em uma tela,
Alcançado na corrida,
Movimentando as pernas;
Meios para um fim
Que se torna um inicio
Começando subitamente,
Alvo quase atingido,
Dardos lançados,
Pensamento constante,
A perspectiva não está perdida
No espírito da caçada,
Depois do dia sem dizer adeus,
No picadeiro da vida,
No pódio de chegada
Desta corrida sem fim,
Seguindo a estrada.
As balanças da natureza
São forçadas a inclinar,
Pendem ao presente
E suas buscas agitadas
Com seus diversos coadjuvantes,
O pendulo dos sentimentos
Sempre balança
Oscilando entre o agora e o depois;
As terras centrais choram
Um pranto doloroso
Lágrimas que escorrem relembrando
A perda de todo sentimento
Que fora amordaçado pelo tempo,
Escorre pelos contos lentamente
Para partir o véu do presente,
Desmembrando suas culpas,
Remendando suas vestes
Para o baile dos escolhidos;
Então tente
E seja examinado,
Calcule os lados
De suas emoções,
Suas paixões,
Suas buscas,
Fundos insuficientes,
Vontades que transbordam
Ainda esperando
O momento certo,
A chave está bem próxima.
Há altos e baixos,
E se errar de primeira
Não desista de tentar novamente,
Algo novo,
Algo que pode existir...
Do outro lado da avenida,
Entre os rostos e seus olhares,
O alfabeto e suas letras,
Escrevem cada uma dessas histórias...
Agora com nova esperança
Alguns estarão orgulhosos,
Com sementes
E brotos nas mãos,
Um novo cenário,
Uma nova página,
No tempo
Que sempre deixa suas portas abertas;
Isso não é nenhuma farsa,
Ninguém é forçado,
Aqui cavamos
Nossas próprias sepulturas,
Ou erguemos
Nossas fortalezas;
Receba uma ajuda
Que venha do além,
Do outro lado
Da compreensão humana,
Plante flores
No lugar de espinhos,
Colha sorrisos
No lugar de lágrimas,
Abra novos caminhos
De uma nova fronteira,
Seja o primeiro
A atirar a pedra
Em direção ao espelho embaçado,
Ideias novas irão surgir certamente,
Sentimentos profundos
E descobertas,
Nenhum feito desconexo,
Ou dividendo,
Apenas somas
E multiplicações,
É só começar a andar...

W. R. C.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Agora



Agora
Os devaneios
Fazem-me companhia
Esta manhã,
Ainda posso sentir
O ultimo beijo
Da derradeira página que se virou,
O calor de suas linhas
Rabiscadas de formas diversas
Em contraste com a realidade
Que grita seus mais variados nomes.
As palavras podem
Soar vazias para você,
Você diz que não entende,
Ou se ofende as vezes;
Mas digo que as palavras
Podem criar novidades...
Ninguém pode se prender a nada,
E cada dia para nós
Torna-se mais intenso;
São tantos mundos paralelos
Que nos divide ao meio,
O que pensar agora...
É isso...
O vinho é a prostituta
Que beija minha boca,
Em dias que estou sozinho,
Que compreende
Meus pensamentos,
A saudade é o carrasco
Que me tortura,
E a música embala meus sonhos.
Tudo que sei é que nada sei,
Já fora dito e é verdade;
Mas também sei
Que as horas e o tempo são
Fantasias disformes
Daquilo que queremos,
Um sentimento confuso e estranho,
Um querer sem saber o que,
Uma procura que não tem explicação,
É fome insaciável
E sede incontrolável,
Algo que complete o incompleto
E que tentamos por muitas vezes
De formas variadas
Encaixar perfeitamente
Em cada uma
Dessas lacunas existentes
Em nossa mente,
Em nosso ser.
Nesta dia, de poesia,
Vou me despir por completo,
E diante de mim mesmo verei
De frente ao espelho,
Minhas janelas abertas,
O brilho de suas chamas a me queimar,
A intensidade desse sentimento
Que me fragmenta,
Vou juntar os pedaços de minh'alma
E moldar uma escultura sólida
Que formará um rosto novo
E um novo conceito...
W. R. C.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Ponto de Vista



Ponto de Vista

No tabuleiro da vida seguimos nossos passos levando a bagagem de nossos sonhos, observando o cenário muitas vezes distorcido, de poucas cores e muitos pesares, um ponto de vista individual no coletivo cotidiano de nossos dias; olhares solitários atravessam a avenida em direção ao desconhecido, visões que são desmembradas no moedor de idéias de nossa consciência, de nossos sentimentos; olhares curiosos tentam imaginar o que se passa do outro lado do espelho de outras vidas entre o bailar de outros caminhantes e seu olhar crítico do mundo, possibilidades imprecisas de uma analise parecida entre o que existe diante de cada visão e todos os seus vultos.
Tateando visões escurecidas que o dia a dia desenha diante de nós, refletindo em realidades distorcidas entre o palpável e o nada que evapora diante destes olhares e o sol escaldante da dúvida; cada um vê o mundo de acordo com seus ideais mais distintos, cores que se formam em seus pensamentos, imagens que se desenham em muitos sentimentos, palavras que se escrevem em diversos verbos diante de inúmeros olhares, inúmeros conceitos e todos os nossos receios; cada cabeça é uma sentença, cada olho irá enxergar o mundo baseado no jardim que existe em seu interior, plantado por mãos observadoras e analíticas que são capazes de criar realidades e moldar imagens disfarçadas, coexistir com o tempo e suas vestes, sorver os venenos dos dias e suas delicias, pedaços pingados do que queremos encontrar, do que queremos mostrar no instante que somos visto por outros jardineiros de mãos observadoras e olhares repletos de julgamentos.
“A beleza está nos olhos de quem vê”: É verdade! A beleza gerada por cada um desses olhares ocultos por de trás de suas máscaras é que forma a realidade de cada espectador, que atua e que assiste do alto de seus múltiplos pensamentos a construção de tantas vidas diante de sua própria realidade; o conheça a si mesmo se torna cada vez mais complexo quando estamos atuando no palco da existência, entre todas suas pendências, onde o pêndulo balança e pode fazer distorcer muitos cenários; muitos mostram suas faces ordinárias disfarçando seu eu interior, esse que eles mesmos pouco conhecem e que mesmo assim ainda o esconde cada vez mais, pois temem a reação de olhares alheios e suas condenações injustas; vítimas e algozes, julgados e juízes. A vida segue seu trajeto em composições de imagens, gestos, palavras e cada um de nós, as ilustrações destes exemplares de existências individuais variam de cada artista solitário que esculpe sua parcela diária de arte, que expõem na galeria universal para análise dos outros artistas que por ela transitam; a visão que cada individuo tem da realidade que o cerca está baseada na realidade que este mesmo alimenta em seus mais íntimos sentimentos, ou que tanto sonha e nem sempre consegue arrastar estes sonhos para a realidade, se perdendo no nevoeiro que divide sonho e sonhador; mesmo sabendo que a vida é um jogo de escolha e escolhidos, ou melhor, do que se escolhe e do que se exclui, cada um com seus disfarces e suas roupas bem vestidas preservando sua verdadeira essência para os demais, a nudez do sentimento; agora mostrando um ser que finge viver em um mundo onde tudo corre tranquilamente mesmo sabendo que a realidade pode ser bem mais cruel do que se pode pensar, do que se tenta moldar; o que nos resta é tentar fazer a melhor análise do cenário dessa existência, tentando coexistir com os de olhares apreensivos, sentimentos variados, desejos profundos e vontades que muitas vezes permanecem caladas; também fazer o nosso melhor para enxergar com mais clareza o intimo de nossos próprios conceitos e sentimentos a respeito de tudo o que nos cerca, abrir as portas ainda trancadas e adentrar os salões onde se escondem algumas respostas, onde se pode jogar sem medo de perder, onde se possa realmente enxergar. A frase deveria ser assim: O ponto de vista está nos olhos de quem vê!
W. R. C.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Terceiro Luar


Terceiro Luar

O ciclo se formou
E a primeira tríade lunar se fechou
Em seu encanto de tempo em tempo,
Em sua luz magistral;
Agora os vapores se elevam
Em formas variadas
E as cinzas sopradas aos ventos
Cumprirão seu papel.

O magnetismo desta noite
E as linhas que se escrevem
Contam um canto pouco ouvido
Que a muito não é cantado,
E em conjunto aos bons pensamentos
E os fluidos da vontade
Desenharão novos caminhos
Que se mostrarão em visões e promessas
No decorrer dos passos a serem dados.

O tempo guarda suas vestes
De outrora e de amanhã,
Com suas cores parecidas
Vestem aqueles que o clamam
Sobre a luz do luar.

Agora transforme a realidade
Neste dia nesta hora,
Como os antepassados já fizeram
Em seus dias de muitas glórias
Que ecoam no presente
E se fazem no agora.

São possíveis tantos sonhos,
Tantos feitos em tantas buscas,
Que o poeta se arrisca
E se passa por profeta
Escrevendo sua vida
E lançando suas pedras.

Terceiro luar, ilumine o caminho
E mostre o trajeto
Entre os dias que virão e suas lutas;
Escreva as paginas ainda inéditas
Em suas linhas bem traçadas,
Que as palavras ganhem vida
E não sejam usurpadas,
Dando força a esse combatente
Em sua jornada, seguindo passo a passo,
Seu caminho, sua saga,
Como ave livre que abre suas asas,
Agora é o início de um novo ciclo
Que se inicia na luz do terceiro luar.

W. R. C.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Federico García Lorca



Federico García Lorca
Espanha:1898 // 1936
Poeta/Dramaturgo

Este é o Prólogo

Deixaria neste livro
toda minha alma.
Este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que compaixão dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é mirar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vidas que se apagam,
ver o homem despido
em Pégaso sem asas.

Ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se miram e se abraçam.

Um livro de poemas
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes mete nos peitos
— entranháveis distâncias. —

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchadas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza-mãe
que explica sua grandeza
por meio das palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível,
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.

Sabe ele que as veredas
são todas impossíveis
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros seus de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristonhas
e eternas caravanas,

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia, amargura,
mel celeste que mana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia, o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
chamas e corações.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
nossa barca sem rumo.

Livros doces de versos
são os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
as estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas
e nunca aliviadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria no livro
neste toda a minha alma...

Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos'
Tradução de Oscar Mendes

segunda-feira, 5 de março de 2012

Outro Dia



Outro Dia

Outro dia, outra página,
Pedaços múltiplos,
Escritas desmembradas;
As linhas começam a se escrever
Após o abrir dos olhos cansados
E o despedaçar do que não pode voltar,
A mente começa a juntar as pétalas
Que se desprenderam da memória
Durante a noite que se foi;
Agora os jardins estão calados
Esperando os pássaros sussurrantes
E suas melodias variadas
Iluminarem o cenário que ainda espera.
Outro dia,
Pensamentos imperfeitos
Transitam entre
O querer e seus dizeres
Com suas vozes sussurrantes
No curso fluvial entre o agora e o amanhã;
Vontades não cicatrizadas ainda pulsam
Com o latejar rítmico de tantos ideais,
Verdades deslocadas
Em direção a seus cursos distintos
Ficam frente a frente
Ao espelho do momento
Onde o reflexo
Revela suas intenções.
Sentidos borbulhantes brilham
Diante de um sol ainda tímido
Que ilumina o campo
De todas as decisões;
Os sonhos de ontem falam baixo
Suas mais íntimas certezas,
Descrevem um amanhã
Cheio de mistério
E estradas novas;
Verdades falantes
Contam cada um de seus sonhos,
Querem acordar novamente
Para a realidade pulsante
E seus palcos diversos,
Esperam suas portas cinzentas
Se colorirem com tintas variadas
Para que possa abri-las,
Entrar despreocupado
E seguir adiante.

W. R. C.

quinta-feira, 1 de março de 2012

O Tempo se Faz



O tempo se faz

Sempre sinto sensações sombrias
Que arrepiam quase arrependidas
A espinha especialmente.

Vejo vultos visionários vestidos
Com as túnicas tingidas totalmente
E seus selos simbolizando um sinal.

Escuto os escudos estalarem
Soltando seus sons sincronizados
Em notas nada numéricas.

Navego numa nau nova
Entre a entrada entristecida
Do caminho construído pouco concreto.

Canto um conto calado
Falado ferozmente e ferido
Pela espada espinhosa do espanto.

Fecho a fechadura fatídica
Que abriria a porta perdida
De um temido tempo teimoso.

Agora sigo solto e sozinho
Cada precioso passo pequeno
Em direção ao destino desejado,

Esperando estrelas esquecidas
Que vagam velozes na vida
Ascenderem amarelas assim.

Soluços, sussurros, sentidos,
Mesclados misturam-se
E formam falas flutuantes

Que sobem suaves, sozinhas
Aos quatro quadrantes queridos
Que abrigam ambições ambíguas.

Rodopia o relógio rapidamente,
Memórias mentirosas misturadas
A verdadeira vida vivida.

Escrevo escritas escravas
Do pensamento puro e preciso
Que sonha seus sinceros sonhos.

Espero o tempo terminar tudo
Transcrevendo todo o trajeto:
De uma forma fantástica ele se faz

E leva longe as lembranças
Tornando o terreno tranqüilo
Para semear suas sementes!

W. R. C.