sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Peregrino



Peregrino

O peregrino ainda caminha pelos salões escuros da perdição, buscando respostas, buscando saídas; em guerra com tantos ideais e inúmeras tentações, ansioso por mudanças, saturado de tanto engano, pois já conhece o que tem por de trás de muitas máscaras, os verdadeiros rostos destes seres de tanta influência que em momentos de distração desfilaram nus diante de seus olhos e dançam, e giram, e seduzem; viu a verdadeira face de cada um desses algozes sádicos, parasitas de consciência que espreitam os passos do homem, procurando uma brecha, uma lacuna qualquer para destilar seu veneno que entorpece a realidade e tira os pés do chão, ocultando verdades, atrasando os passos. Um veneno doce e suave que intoxica lentamente dia a dia como o girar melancólico do relógio solitário da parede empoeirada; este veneno inevitável tão antigo quanto o mundo, de nomes variados e máscaras diversas, esse que sorvemos de bom grado, pois fazem parte dos sentimentos e sensações humanas, uns chamam de tentações e pecado, outros de conseqüências do acaso; cada gole nos deixa aparentemente feliz por estarmos fazendo parte desse banquete de insensatez que alimenta nosso ego entorpecido e confuso, assassinando a razão e distorcendo nossa visão do único caminho que cada peregrino tem diante de si. Cada corredor de passagem entre um salão e outro se torna um filtro de sensações e sentidos, mesclados aos desejos e vontades que perdem seus sons em meio ao barulho existente no trajeto, entre tantas indecisões e inúmeras promessas; passagem entre o agora e o que virá depois no turbilhão de escolhas entre os corredores vazios que passamos e suas varias portas que devem ser bem escolhidas, antes que se abra o próximo cenário. As palavras se tornam foscas quando os sentimentos divagam entre a fumaça dos pensamentos e suas vontades flutuantes; o clarear da vela não pode iluminar o caminho quando pensamentos nebulosos insistem em fazer morada na consciência, muita coisa surge entre um gole de ideologia e sonhos pendentes, as verdades que tentamos escutar, muitas só existem em nossas mentes, cada palavra que tentamos divulgar em forma de versos, de prosa, códigos desprendidos de nossos corações, que se forma de forma desconexa em nosso pensamento, sentidos que gritam alto e são amordaçados pelo presente sufocante e corrido, onde plantamos sementes em solos variados a mercê das estações; pois o tempo corre contra cada um de nós, e os sonhos e as vontades caminham em passos lentos, no ritmo de cada peregrino, como quem espera as tempestades passarem.
A areia do tempo escorre na ampulheta do destino e os passos do peregrino nunca param, o vento sopra suas verdades aos quatro cantos em suaves melodias aos que o compreendem, ressoando suas mais profundas notas; todos os ventos que sopram contam uma história, o peregrino tenta escrever a sua, transitando pelos salões da existência, escolhendo portas, construindo pontes, lançando seus dardos, alimentando suas paixões; cada passo é único e a fumaça de suas ideologias solitárias sobem aos céus, buscam janelas e verdades que a muito tempo estiveram caladas e agora sussurram suas vontades.
As horas migram para seus esconderijos quando tentamos fazer delas obras de arte, moldar palavras, gestos, fatos e feitos, reinventar o caminho, escrever novas paginas; o peregrino segue adiante fechando enciclopédias do ontem, abrindo novos cadernos no hoje, mesmo sabendo que o trajeto pode ser pedregoso e os corredores entre um salão e outros sombrios, segue escrevendo suas paginas com suas tintas em tons que se encaixam na realidade do momento, de acordo com cada uma de suas sementes que foram e ainda serão laçadas, espera assim colher os frutos variados em um amanhã não muito distante. O peregrino segue sua caminhada...

W. R. C.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Charles Bukowski



Se vai tentar
siga em frente.

Senão, nem comece!
Isso pode significar perder namoradas
... Esposas, família, trabalho... E talvez a cabeça.

Pode significar ficar sem comer por dias,
Pode significar congelar em um parque,
Pode significar cadeia,
Pode significar caçoadas, desolação...

A desolação é o presente
O resto é uma prova de sua paciência,
do quanto realmente quis fazer
E farei, apesar do menosprezo
E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar.

Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.

Charles Bukowski

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Música



A Música

A música sabe o que diz e para onde ir
Pois sai do intimo do ser
Em tons de cores reais;
Assim somente aqueles que puderem ver
Os sons e a essência de formas iguais
Compreenderá o que ela diz quando a ouvir...

O tempo é senhor de todas as verdades,
Toca suas melodias pelos dias sem fim
Em sons de diversos sentidos;
Horas que se escrevem assim
Entre a canção dos achados e perdidos:
O tempo é o carrasco de todas as vaidades...

Melodias são vozes, são versos, são sonhos,
Partes desprendidas do ser,
Sentimentos em sons variados,
Muitas cantam o que se pode ter
Quando se rompem os cadeados
Deixando para trás caminhos enfadonhos.

A vida segue seu curso desenhando seus traços
No som suave de seus encantos,
Mesmo que em dias ainda escuros
Pode-se enxugar todo o pranto
E seguir os caminhos mais puros
Rompendo todos os nefastos laços.

Canções saem d’alma e sobem aos céus
Girando em espiral, unindo corações;
Suaves são os sons de quem sabe viver,
Pois fazem da vida diversas canções
E vê seus doces frutos florescer.
Assim como veremos: eu os meus e você o seus.

W. R. C.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Depois que o céu se abrir



Depois que o céu se abrir

Quando o céu se torna escuro
E os dias são sombrios
Misturando o puro e o impuro;
O pensamento pede ajuda ao coração
Que sopra seus desafios
Fazendo-nos buscar uma solução.

Escutamos sua voz e seguimos adiante
Passamos pelas portas da percepção,
Mudamos os conceitos de como eram antes
Sabendo que esta lhe indicará o caminho,
Tentamos moldar uma nova criação
Mesmo sabendo que sempre estamos sozinhos.

Quando nuvens espessas se aglomeram
Diante dos olhares apreensivos
Os sonhos mais uma vez esperam
E as buscas diárias se tornam turvas,
Tornamo-nos seres esquivos
Caminhando em direção a outra curva.

É preciso redimensionar a procura,
Encontrar novos conceitos,
Remendar todas as rachaduras
E reescrever os planos;
Eliminando assim todos os defeitos
Para que não haja mais danos.

Quando a vontade pelo novo começa a falar
Seus quereres e suas paixões,
Sabemos que não irá se calar;
É preciso arrastar as nuvens tempestuosas
Como escurecidos balões,
Limpando o eu de poeiras nebulosas.

Levando tudo para longe dos olhos cansados,
Deixando o sol brilhar novamente
E junto aos conceitos recriados
Iluminar o jardim e seus brotos,
Para que frutifique a semente
E se possa colher os seus frutos.

W. R. C.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Jean Jacques Rousseau



Jean Jacques Rousseau
França: 1712 // 1778
Filósofo, Escritor

As Infelizes Necessidades do Homem Civilizado

Um autor célebre, calculando os bens e os males da vida humana, e comparando as duas somas, achou que a última ultrapassa muito a primeira, e que tomando o conjunto, a vida era para o homem um péssimo presente. Não fiquei surpreendido com a conclusão; ele tirou todos os seus raciocínios da constituição do homem civilizado. Se subisse até ao homem natural, pode-se julgar que encontraria resultados muito diferentes; porque perceberia que o homem só tem os males que se criou para si mesmo, o que à natureza se faria justiça. Não foi fácil chegarmos a ser tão desgraçados. Quando, de um lado, consideramos o imenso trabalho dos homens, tantas ciências profundas, tantas artes inventadas, tantas forças empregadas, abismos entulhados, montanhas arrasadas, rochedos quebrados, rios tornados navegáveis, terras arroteadas, lagos cavados, pantanais dissecados, construções enormes elevadas sobre a terra, o mar coberto de navios e marinheiros, e quando, olhando do outro lado, procuramos, meditando um pouco as verdadeiras vantagens que resultaram de tudo isso para a felicidade da espécie humana, só nos podemos impressionar com a espantosa desproporção que reina entre essas coisas, e deplorar a cegueira do homem, que, para nutrir o seu orgulho louco, não sei que vã admiração de si mesmo, o faz correr ardorosamente para todas as misérias de que é susceptível e que a benfazeja natureza havia tomado cuidado em afastar dele.
Os homens são maus, uma triste e contínua experiência dispensa a prova; entretanto, o homem é naturalmente bom, creio havê-lo demonstrado. Que será, pois, que o pode ter depravado a esse ponto, senão as mudanças sobrevindas na sua constituição, os progressos que fez e os conhecimentos que adquiriu? Que se admire quanto se queira a sociedade humana, não será menos verdade que ela conduz necessariamente os homens a se odiarem entre si à proporção do crescimento dos seus interesses, a se retribuir mutuamente serviços aparentes, e a se fazer efectivamente todos os males imagináveis. Que se pode pensar de um comércio em que a razão de cada particular lhe dita máximas directamente contrárias àquelas que a razão pública prega ao corpo da sociedade, e em que cada um tira os seus lucros da desgraça do outro? Não há, talvez, um homem abastado ao qual os seus herdeiros ávidos, e muitas vezes os seus próprios filhos, não desejem a morte, secretamente. Não há um navio no mar cujo naufrágio não constituísse uma boa notícia para algum negociante; uma só casa que um devedor de má fé não quisesse ver queimada com todos os documentos; um só povo que não se regozijasse com os desastres dos vizinhos. É assim que tiramos vantagens do prejuízo dos nossos semelhantes, e que a perda de um faz quase sempre a prosperidade do outro. Mas, o que há de mais perigoso ainda é que as calamidades públicas são a expectativa e a esperança de uma multidão de particulares: uns querem as moléstias, outros, a mortalidade; outros, a guerra; outros, a fome.
(...) O homem selvagem, quando acabou de comer, está em paz com toda a natureza, e é amigo de todos os seus semelhantes. Se, algumas vezes, tem de disputar o seu alimento, não chega nunca ao extremo sem ter antes comparado a dificuldade de vencer com a de encontrar noutro lugar a sua subsistência; e, como o orgulho não se mistura ao combate, ele termina por alguns socos. O vencedor come e o vencido vai procurar fortuna noutra parte, e tudo está pacificado. Mas, no homem da sociedade, é tudo bem diferente; trata-se, primeiramente, de prover ao necessário, depois, ao supérfluo. Em seguida, vêm as delícias, depois as imensas riquezas, e depois súbditos e escravos. Não há um momento de descanso. O que há de mais original é que, quanto menos as necessidades são naturais e prementes, tanto mais as paixões aumentam, e o que é pior, o poder de as satisfazer. De sorte que, após longas prosperidades, depois de haver devorado muitos tesouros e desolado muitos homens, o meu herói acabará por tudo arruinar, até que seja o único senhor do universo. Tal é, abreviadamente, o quadro moral, senão da vida humana, pelo menos das pretensões secretas do coração de todo homem civilizado.
Comparai, sem preconceitos, o estado do homem civilizado com o do homem selvagem, e investigai, se o puderdes, como além da sua maldade, das suas necessidades e das suas misérias, o primeiro abriu novas portas à miséria e à morte. Se considerardes os sofrimentos do espírito que nos consomem, as paixões violentas que nos esgotam e nos desolam, os trabalhos excessivos de que os pobres estão sobrecarregados, a moleza ainda mais perigosa à qual os ricos se abandonam, uns morrendo de necessidades e outros de excessos; se pensardes nas monstruosas misturas de alimentos, na sua perniciosa condimentação, nos alimentos corrompidos, nas drogas falsificadas, nas velhacarias dos que as vendem, nos erros daqueles que as administram, no veneno do vasilhame no qual são preparadas; se prestardes atenção nas moléstias epidémicas oriundas da falta de ar entre multidões de seres humanos reunidos, nas que ocasionam a nossa maneira delicada do viver, as passagens alternadas das nossas casas para o ar livre, o uso de roupas vestidas ou despidas sem precauções, e todos os cuidados que a nossa sensualidade excessiva transformou em hábitos necessários, e cuja negligência ou privação nos custa imediatamente a vida ou a saúde; se puserdes em linha de conta os incêndios e os tremores de terra que, consumindo ou derrubando cidades inteiras, fazem morrer os habitantes aos milhares; em uma palavra, se reunirdes os perigos que todas essas causas acumulam continuamente sobre as nossas cabeças, sentireis como a natureza nos faz pagar caro o desprezo que temos dado às suas lições.

Jean-Jacques Rousseau, in 'Discurso Sobre a Origem da Desigualdade'

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Cair no Esquecimento





Cair no esquecimento



Ruas vazias,
Prédios sujos,
Janelas abertas
E olhos fechados...
Aqui distante de tudo,
Pensamento cinzento,
Empoeirado,
Com as cinzas de muitas horas,
Lamentos levados pelo vento
Soprado aos quatro cantos
Em vários tons...
As pessoas caminham apressadas,
Seus pensamentos se espalham,
Evaporaram diante do sol escaldante
E tantos outros sentimentos,
Cada um em uma esquina,
Fazendo uma curva na contra mão;
Cada um em uma estação,
Entre as folhas e as flores,
Colhendo rosas murchas
Cheias de espinhos;
O caminhante silencioso
Esperando o verão
Cumprir seu papel...

O céu, o sol, o meu, o seu
Pensamento que se expandem,
Tomarão conta do cenário
E tornarão tudo em preto e branco,
Cores de uma reflexão...
Um céu em nossa consciência,
O sol em cada palavra
Como uma página antiga,
Um som que vai transformando com o tempo,
Que traz das profundezas
As mais doces recordações;
O firmamento insiste
Em romper para o outro lado
Com as horas inevitáveis
Que vão passando;
O presente, o dialogo, o momento,
A vida correndo em nossas agitadas veias,
Rodopiando e inundando
De pensamentos diversos
Toda imensidão da mente acelerada.

Racionando,
Aprendendo com os fragmentos;
Preciosas pérolas do instante,
Reluzentes jóias da memória,
Um baú de tesouros esquecidos
Que transforma até mesmo
As coisas mais simples
Em algo extraordinário,
Convertendo dor em riso,
Soluços em melodias...
As cortinas baixam lentamente,
Máscaras são dispensadas para este ato,
Palhaço que empresta seu sorriso
A aqueles que não sabem mais como sorrir;
E o palco ainda estará iluminado
Quando a luz do dia se findar.

Afogo-me lentamente
No mar profundo
De meus sonhos e delírios
Entre goles de realidades desconexas,
Sorvendo cada partícula de vontade;
Entre a fumaça presente
E os soluços de ontem.
O céu fica distante...
O sol fica escuro...
Nuvens se despedem...
Vozes que se calam...
Janelas são abertas,
Cadeados são quebrados,
Portas diante de mim...
Diante de você...

O sol traz o fogo gélido
De emoções cativas
Que como gotas insignificantes
Caem sem parar,
Inundando as crateras
E sulcos que foram abertos,
Cortes precisos de um cirurgião
Implacável e antigo
Chamado simplesmente de tempo.
Pensamentos navegam distantes,
Por lugares que estavam guardados
A sete chaves,
Uma chave para cada nome,
Um nome para cada porta,
Uma porta para cada sentimento;
E todas seguem a mesma direção,
Por mais que deseje que
Tudo caia no esquecimento.



W. R. C.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Segundo Luar



Segundo Luar

O ciclo lunar segue seu curso
Mostrando todas suas faces,
Horas que fazem suas curvas,
Dias que desdobram realidades,
Luzes que descrevem seus venenos
E seus néctares tão suaves;
Após o por do sol:
Horizonte distante, cidade calada,
Procura incessante.

Cada verso que o luar pede,
Um tributo a cultura antiga,
Um sussurro que ao céu sobe
Com os ventos do momento
Em seus sopros de sentidos...
Lua cheia dos famintos,
Dos poetas, dos soldados,
Dos amantes, do silêncio,
Em seus tons que me agradam.

Cidade que espera por seus filhos,
Todos aqueles que ainda não voltaram:
Gemidos que ecoam pelas ruas,
Pela noite em muitas casas,
No alto observando, absorvendo;
Ao luar fazem suas preces,
Cantam hinos, se entorpecem...

Entre o tempo e suas eras
Atravessou o pensamento,
Com a lua cheia e suas promessas
E a areia da ampulheta;
Cada olhar que se perdeu
Entre um e outro luar
Segue agora o seu caminho
Em cada gole de vida que se dá.

A renovação do chamado,
Pronunciando o pedido,
Cantando aos elementos
A canção dos antepassados:
Magia do luar, forças da natureza,
Renove sem tardar, crie, fortaleça;
Quando a cidade escutar
E todas as palavras subirem
Será o inicio do novo,
O principio do amanhã.

Segundo luar em sua casa celestial,
O olhar atento ainda espera
Seu sinal, seu chamado;
Nesta noite, na cidade, entre os vultos
Que insistem em se escrever
E a canção que destorce a realidade,
Fogo que cresce feroz:
Renove as forças e a coragem
E feche o círculo ao redor
Para que possa seguir adiante
Dando os primeiros passos
Na luz do segundo luar...

W. R. C.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Machado de Assis



Os Dois Horizontes

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.

Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.

Dois horizontes fecham nossa vida.

Machado de Assis, in 'Crisálidas'

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

As Lágrimas Secaram



As lágrimas secaram

Por muito tempo e agora havia segredos em minha mente, pedaços que foram se moldando, sussurros intermináveis e melodias esquecidas entre os vapores que subiam destas lágrimas que sacavam; havia vontades e amor profundo, partículas desprendidas de meu coração, pedaços flutuantes de cada sentido, partes soltas de muitas sensações; por muito tempo e agora havia coisas que eu deveria ter dito, mapas desenhados que eu devo seguir, curvas desleais que são escritas, palavras que foram evaporando com o tempo, fumaça de delírios escurecidos com as sombras de tantos pensamentos escancarando a órbita craniana; luz de portas que vão se abrir, sentimentos que deveriam ser explorados.
Na escuridão eu estava tropeçando até a porta em pedras escuras que eu deixei cair, escorregando em pérolas que lancei aos demais; de frente ao espelho embaçado, de frente ao cenário estranho do alto de minha cabeça aberta, para achar uma razão, a verdadeira força para seguir, para achar o tempo, o lugar, à hora, cada fagulha fragmentada de sensações perdidas que movam à engrenagem e encaixe todas as peças que podem ser encaixadas...
Esperando pelo sol e a luz do dia após este dizer suas promessas, aquelas que cegam olhares curiosos e aquece corações de gelo; aquele vento que leva nossas preces aos quatro cantos com todos os elementos nas asas dos desejos furiosos, dos desejos renascidos, deixando para trás todos os fantasmas assustadores dos medos de infância e cadáveres de amores fatídicos espalhados no chão, novidades de sentidos ressurgidos entre as horas que se escrevem.
A pressão está crescendo, a vontade de deixar a imaginação voar aumenta dia após dia, são os pássaros de nossos eus querendo sair e tatear idéias; eu não consigo ficar longe de cada um desses pensamentos, de tantos sentidos latentes e seus diversos sentimentos, o amor que adormece latejante e me diz que não pode mais germinar o solo, não agora, diz que também não quer voar com esses pensamentos e tocar o intimo gritante de cada sensação...
O tempo abre seu oceano em cada onda violenta que a vida despeja, quando tentamos navegar em suas verdades, em tantas vontades sufocantes e diversos ideais famintos; nos jogamos no mar, em sua espuma de pensamentos, deixamo-nos banhar com suas águas de conhecimento e confusão, afogamos em seus mistérios e bebemos suas loucuras em goles de procuras incansáveis; procuramos as chaves, queremos abrir todas as portas, seguir os corredores transparentes para encarar o mundo e suas inúmeras variações de cenários: eu acreditei uma vez, aquele fruto tão doce e cheio de veneno, que aqueceu nossas mentes e incendiou nossas almas; as lágrimas secaram, o coração ainda pulsa por você e por mim.
Onde eu estava, onde eu tentei ir, arrastando memórias e momentos que apontam para o nada? Eu tinha asas que não podiam voar e uma voz que poucos escutaram, sonhos que não estavam se movimentando que desbotavam e escorriam; eu tinha a chama que não pôde se incendiar pois sozinha se escurecia, sementes secas que não germinaram pois a terra árida as devorou!
Onde eu estive por tanto tempo parado observando o horizonte calado, absorvendo o silêncio e expelindo vontades que não se saciaram, onde foi que eu errei? Eu tinha lágrimas que não pude chorar, soluços silenciosos que ecoaram distantes, palavras surdas que não falaram a ninguém; eu tenho sementes que ainda não tive tempo de semear!
Minhas emoções congeladas num lago gélido pareciam um convite tentador a embriaguez em seus goles de nostalgia, meu peito aberto em carne viva e muita dor o aperitivo a todas as luzes de memórias e quereres; eu não pude senti-las como deveria, pois iam se afastando de mim; eu não pude entendê-las como era preciso, pois me distraia com tantas vozes e sem nada sólido diante de mim, até que o gelo começou a se quebrar e as lágrimas começaram a secar.
Eu não tenho poder sobre isso, todos esses sentidos que vão dançando, às vezes não sei como movimentar cada peça necessária nesse jogo; às vezes o amor escorre por nossos dedos, às vezes outros sentimentos; é quando hesitamos mais uma vez: eu quero que tudo saia certo, como um quadro bem feito em uma moldura! Fui às profundezas de meus enegrecidos sonhos, as lágrimas secaram, os vapores subiram aos céus, a água está se movendo de uma outra barragem, de uma outra estação de cores diferentes em novos tons e estou sendo levado para longe...
Lentamente me desperto, lentamente me levanto, caminho de olhos bem abertos, passo a passo vou seguindo, deixando minha sombra escrever junto comigo cada traço que vai saindo; minhas linhas nunca irão parar, rabiscando sensações e sentidos, meu pensamento sempre corre como o vento a soprar minhas velas; minhas lembranças me acompanharão em cada dia em que eu construir novidades nessa minha jornada de gritos silenciosos...

W. R. C.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Linhas do Destino



Linhas do Destino



Cruel é a palavra
Que surge sorrateira
Deixando sombras diversas,
Com mandíbulas sanguinolentas
E garras afiadas,
Cada verso, cada prosa,
Em tantos lamentos,
Em vários sorrisos,
Alguns do avesso, ao contrário,
Mas sempre falando:
Essa vontade constante
De dizer dizeres nebulosos
Que nunca se extinguiram;
É como a fome desesperada dos famintos,
A eterna procura do que está distante,
Vento que sopra verdades
Nas asas de metáforas falantes,
Fogo que inflama
E corre nas veias,
Inundando membros e corpo,
Incendiando vozes e sussurros,
Formando lacunas na alma,
Preenchendo fagulhas na vida,
Guardando sentidos ardentes
Que não encontraram
Nos dias corridos de hoje
Remetentes ou destinatários...

Quero por mais uma vez sonhar,
Visitar esses lugares
Em que nunca estive
Entre o palpável e o ilusório,
No alto das colinas verdejantes
Ente os espinhos e a rosa,
Sentir o perfume desta flor tão especial,
Preciosa obra prima
Que a natureza esculpiu...

Vejo toda noite os mesmos rostos,
Que habitam as entrelinhas
De minha consciência,
Transitando de um lado para o outro
Como marionetes sem manipulador;
Dançando diante de meus olhos
O bailar primordial chamado vida.
Suas bocas despejam palavras
De desconhecido destino:
_Onde está você,
Não se vá agora,
Ainda não terminei,
Só mais uma palavra...
E os livros de existência se escrevem...

É apenas um rosto
Entre a fumaça
E o respirar profundo,
Imagem embaçada
Entre o tempo e suas cores
Em um despencar de letras gritantes,
Mergulhando nas profundezas,
Em águas gélidas,
Em abismos diários
De este misterioso olhar,
Que observa tudo ao redor
E rabiscam suas linhas
Em desenhos sussurrados
Pelos corredores do momento
Em goles de destino duvidoso;
Embriagar com um sorriso discreto,
Colher os doces verbos
Como fruta no pé
Em conversas e escritos
E sentir o tempo parar
Por um instante em suas mãos.

W. R. C