terça-feira, 6 de setembro de 2011

“ Poesia de Álvaro de Campos”


Na Fronteira Fausto-Campos



Se nada houvesse para além da morte,
Nada, e o que o espírito é pronto a querer
O que a imaginação em vão procura
Não fosse nada, nem o azulado das ondas
Nem a antecâmara da realidade
Não outra coisa que o oco dele próprio,
E vazio do ser implodindo
Éter da ininteligibilidade
Onde o erro da razão sobre montes e vagas
Sem nexo em existir sem leis flutua...

Quem sabe se o supremo e ermo mistério
Do universo não é ele existir
Com inteireza tal em existir
Que não tenha sentido nem razão
Nem mesmo uma existência, de tão única,
Concebível... Meu espírito, corrompe-se
Ao místico furor do pensamento ...
De horror sem dor...

Se o mundo inteiro, _ abismo em começo
Poço sem paredes, negro absurdo
Aberto noutro absurdo ainda mais negro _
Não tem possível interpretação
Nem intertemporalidade num futuro
Da razão, ou da alma, ou do universo
Ele-próprio.

Ah o acaso sobre os montes
Com que réstea de luz nos faz de longe
O gesto lento de nos abençoar...
E nem sombra, nem mesmo definida
Tristeza dói...

Ó sempre mesma dor do pensamento.



“ Poesia de Álvaro de Campos”


Fernando Pessoa

Nenhum comentário:

Postar um comentário