segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Fausto
Prologo do Autor
Rodeais-me de novo, aereos vultos,
Que a turva vista outrora vos mostraste.
Tentarei desta vez aqui reter-vos?
E a tal ilusão inda propenso
Será meu coração? Aproximai-vos!
Pois bem, reinai potentes, ressurgidos
Da vaporosa névoa do passado;
Mágico sopro que esvoaça em torno
De vós, memórias acordadas em meu peito
Da juventude e seu sentir ardente.
Trazei convosco de bem doces dias
A saudosa lembrança. Sombras caras
Ressurgem numerosas; qual remota
Tradição esquecida vão volvendo
Primeiro amor, antigas amizades;
A memória cruel com dor recorda
A marcha errante que seguiu a vida,
E nobre peito lembra, que, frustados
Pela sorte de dias deleitosos,
Antes de mim e a vida terminarem.
Meus derradeiros cantos não escutam
Aqueles para quem cantei primeiro;
Dispersa jaz essa falange amiga,
E mudos, ai! Os ecos despertados
Nesse tempo feliz. Minhas endeixas
Por entre turba incógnita ressoam,
De que o louvor mesmo me intristece;
Espalhados, errantes são no mundo
Os que meu canto amavam inda vivem.
Saudade, a que já estava desafeito,
Daqueles nobres, plácidos espíritos,
De mim se apossa, e qual éolia lira
Só vagos cantos o meu estro entoa;
Estremeço, de lágrimas banhado
Comovido se sente o peito austero,
Em presente o passado eis se converte.
Johann Wolfgang von Goethe
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