terça-feira, 24 de abril de 2012

António Feijó Portugal

António Feijó
Portugal: 1859 // 1917
Poeta/Diplomata

O Livro da Vida

Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia...
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abriam
Ao primeiro clarão da primeira alvorada.

  Perto dele caminha, em ruidoso tumulto,
  Todo o humano tropel num clamor ululando,
  Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
  Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.

Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos;
  E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,
 — A ler e a meditar postulados eternos,
  Sem um fanal que o seu espírito esclareça!

Cada página abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
  Ele tenta arrancar da folha percorrida,
  Como de mina obscura a pedra refulgente.

  Mas o tempo caminha; os anos vão correndo;
  Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão...
E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
  E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.

Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta:
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos,
  Nem o humano sofrer, que outras almas enluta,
  Nem a neve do Inverno a pratear-lhe os cabelos!

Só depois de voltada a folha derradeira,
  Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado,
É que o Sábio entreviu, como numa clareira,
  A luz que iluminou todo o caminho andado...

  Juventude, manhãs de Abril, bocas floridas,
  Amor, vozes do Lar, estes do Sentimento,
  — Tudo viu num relance em imagens perdidas,
Muito longe, e a carpir, como em noturno vento.

  Mas então, lamentando o seu estéril zelo,
  Quando viu, a essa luz que um instante brilhou,
Como o Livro era bom, como era bom relê-lo,
  Sobre ele, para sempre, os seus olhos cerrou...

  António Feijó, in 'Sol de Inverno'

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